Aumento de juros é remédio amargo que debilita sinais vitais da economia
A vacinação em massa da população brasileira caminha a passos de tartaruga. Em função disso, o abre-fecha das atividades, em diversas regiões do país, deve ser uma constante ao longo dos próximos meses. As incertezas econômicas, portanto, acompanham a trajetória de evolução da pandemia. Seus efeitos poderiam ser mitigados, por exemplo, com a ampliação dos recursos destinados ao auxílio emergencial. Em vez disso, a autoridade monetária vem promovendo uma escalada da taxa básica de juros, a Selic, na tentativa de conter o aumento da inflação e a depreciação do real na economia.
Os níveis recordes de desemprego no país são o principal sintoma dessa doença, que corre o risco de evoluir para um caso grave de depressão. Diante desse quadro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central vem administrando um remédio amargo e pouco eficaz, com efeitos colaterais que devem levar ao agravamento da doença.
Partindo de um diagnóstico equivocado, o BC vem promovendo nos últimos meses o que convencionaram chamar de “normalização” dos juros. O receituário aplicado já resultou em duas elevações de 0,75 ponto percentual seguida. A taxa Selic, que estava fixada em 2% ao ano até março, subiu a 2,75% no final daquele mês. No início de maio, o Copom fixou voltou a elevar a básica, agora a 3,50%. Na ata da última reunião, há uma sinalização de que o tratamento deve continuar, com doses equivalentes, no próximo período. O “mercado” conta com taxa Selic de 5,5% ao final deste ano.
Inflação fora da meta
O pretexto da alta de juros, combater a inflação, acaba sendo uma confissão de que os índices de preços estão ao deus-dará. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de abril, também conhecido como inflação oficial e ponto de referência para a meta, ficou em 0,31%. Abaixo de março (0,93%), mas com alta acumulada de 2,37% no primeiro quadrimestre do ano e de 6,76% nos últimos 12 meses. A meta para 2021 é de 3,75, mas o “mercado” aposta que passará de 5%.
Já o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de abril, base de reajuste para muitos contratos, inclusive acordos coletivos de traalho. teve alta de 0,38%, abaixo da taxa de março, quando havia registrado 0,86%. O acumula neste ano é de 2,35% e de 7,59% em 12 meses. O problema é que, com tamanho desemprego e queda da renda, não se trata de inflação por aumento de demanda – por isso, tampouco será controlável por meio da Selic.
Efeitos colaterais e contraindicação
De acordo com economistas, o receituário aplicado no Brasil vai na contramão das ações aplicadas ao redor do mundo para conter os impactos econômicos da pandemia. Além dos trilionários pacotes de estímulo aplicados pelos governos dos Estados Unidos e dos países da União Europeia, por exemplo, as autoridades monetárias também vêm adotando estímulos monetários. As taxas de juros nessas regiões estão próximas de zero.
Além disso, os especialistas afirmam que a “normalização” dos juros não vai atender os objetivos pretendidos. A principal questão é que o aumento da inflação se deve a choques externos, como a alta do preço das commodities. Produtos agrícolas e o minério de ferro, por exemplo, voltaram a subir no mercado internacional, na medida em que parte do globo começa a reabrir, após ter tido sucesso no combate à pandemia. Outra parte da aceleração da inflação por aqui é o reajuste de preços administrados, como dos combustíveis nas refinarias.
“O diagnóstico está equivocado”, afirma a economista-chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), Juliane Furno. Ela frisa que a alta da inflação não tem ligação com aumento da demanda no mercado interno, pelo contrário. “O remédio, na verdade, vai fazer mais mal ainda a saúde do paciente. Nenhuma economia no mundo está elevando a sua taxa básica de juros. Justamente porque o mundo todo está muito mais endividado. Já que os governos tiveram que aumentar o endividamento público para lidar com os efeitos da pandemia”.
Além disso, a elevação dos juros aumenta o custo do endividamento, tanto para o Estado, como para as empresas. E também para as famílias. “A economia brasileira hoje está praticamente em depressão. Ou seja, aumentar a taxa de juros inibe o consumo e também inibe o investimento”, disse a economista.
Custos e previsões
O diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Junior, afirma que apenas a última elevação de 0,75 ponto percentual deve causar um prejuízo estimado de R$ 24 bilhões aos cofres públicos. Isso porque, com a Selic em alta, aumenta o prêmio pago aos detentores dos títulos da dívida pública. Se as novas elevações se confirmarem nas próximas reuniões do Copom, ele estima que o custo com a rolagem da dívida pode alcançar a casa dos R$ 100 bilhões.
“Ou seja, muito mais do que o dobro do previsto para gastar com auxílio emergencial”, comparou Fausto. Com valores reduzidos, as quatro parcelas do benefício terão gasto previsto de apenas R$ 44 bilhões. “De alguma forma, o que estamos assistindo é um modelo econômico que continua avançando para transferir renda dos mais pobres aos mais endinheirados. Principalmente aí para o mercado financeiro”.
Ainda em março, antes da escalada da Selic, o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), alertava para os riscos de agravamento da crise econômica. Segundo ele, as condições objetivas não mudaram. A única alteração foi uma leve apreciação do real frente ao dólar.
“Do lado negativo, a elevação da taxa de juros implica em mais custos do serviço de juros da dívida pública. E menor incentivo monetário para a retomada da atividade econômica, ainda profundamente anêmica, com elevado desemprego e famílias e empresas altamente endividadas”, declarou Roncaglia. Segundo ele, a intenção do BC é equiparar a taxa nominal de com as estimativas de inflação. “Assim, o BC mira uma taxa de juros real nula até o final do ano. O que requer uma taxa Selic de 5% a 5,5% até dezembro de 2021, em face de uma inflação esperada de 5,5% até o final do ano.”
Fonte: Rede Brasil Atual