Por Onde Andamos

Por Onde Andamos
15/12/2008

Bem próximo de completar seus 25 anos (em janeiro), o MST empenha uma dura luta contra a grande ofensiva do capital na agricultura, que hoje se apresenta pelo domínio das transnacionais sobre o que é produzido e também o gradativo aumento das extensões de terra com os monocultivos de cana-de-açúcar, eucalipto e soja. As conseqüências deste modelo para o campo vêm se manifestando de diversas formas. Uma delas foi o aumento significativo do preço dos alimentos para a população brasileira e a presença cada vez mais intensa de empresas estrangeiras no domínio das nossas terras.
Neste contexto, coloca-se uma urgente necessidade de lutas conjuntas com outros setores da sociedade para recolocar em pauta a importância da Reforma Agrária.

JST - O que dizer da política agrária dos últimos anos?

José Roberto – Os trabalhadores rurais Sem Terra e a sociedade tinham uma grande esperança e uma expectativa com o governo Lula realizar a tão sonhada Reforma Agrária. O que nós vimos ao longo destes seis, sete anos é que não existiu um programa de Reforma Agrária. Os trabalhadores tinham motivos de sobra para acreditar neste governo, por ele ter vindo da classe operária e por existirem mais de cem mil hectares de terras improdutivas no Brasil. Esta esperança foi se desfazendo a partir deste ato explícito do governo em optar por um outro projeto, um outro modelo de agricultura – baseado na expansão da produção canavieira, de eucalipto, soja, e outros produtos voltados para exportação e que viabilizam o agronegócio.

JST – Quais são os números divulgados pelo governo e quantas famílias de fato foram assentadas?

JR - Se avaliarmos os números divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e pelo Incra nestes seis últimos anos do governo Lula, a gente percebe que não houve nenhuma Reforma Agrária. Basta pegar os números.
Há uma grande propaganda sobre a quantidade de assentamentos, mas o que o governo tem feito é o mesmo processo que outros governos fizeram anteriormente: maquiando números.
Nos últimos seis anos, menos de 150 mil famílias foram assentadas e o governo divulga que foram assentadas 448 mil famílias. Basta ver os dados de 2008, onde a meta estabelecida não atingiu 10%. Além de que a maioria destes assentamentos foram realizados na região Norte, principalmente na região Amazônica.
Resumindo, é uma Reforma Agrária que não enfrenta o latifúndio improdutivo, mas assenta as famílias em terras públicas e regulariza as terras, reassentando famílias. Isso não é Reforma Agrária.

JST – Qual seria o panorama da infra-estrutura dos assentamentos no Brasil?

JR – A política do governo não priorizou os assentamentos e tampouco a pequena agricultura, ao contrário do que foi propagandeado. Basta ver os dados. Hoje são mais de 70% dos assentamentos sem infra-estrutura. Sem estradas, energia elétrica, sem escolas... Basta ver em cada estado, em cada região.
A burocracia para atingir os programas de crédito e apoio é tão grande que impede as famílias de terem acesso. A maioria dos setores dentro do Incra e do MDA viraram um balcão de negócios, e não funcionam para elevar o nível de sociabilidade das famílias assentadas, mas, sobretudo para inviabilizar os assentamentos, para provar para a sociedade que assentamentos não dão certo. Aqueles que se adequaram à lógica de produção do agronegócio, o governo prioriza, mas não chegam a 10%. Mas no geral, não existe esta política de viabilidade econômica e social.
Usam destes instrumentos para mostrar que o caminho é o agronegócio. Mas não podemos negar que os assentamentos são marcos históricos da melhoria na vida dos camponeses, dos Sem Terra e da sociedade como um todo.
A contribuição que o MST tem dado à sociedade nos últimos 25 anos, na construção do homem novo, da mulher nova, dos alimentos sem venenos, e outros, é uma contribuição extremamente importante. O MST tem evitado que várias pessoas deixem a vida no campo para irem para as grandes cidades, para as favelas.

JST - E os acampamentos?

JR - Temos mais de 100 mil famílias acampadas. Infelizmente muitas estão há mais de dez anos debaixo de lona preta. O governo tenta desmobilizar as famílias que estão acampadas, que estão lutando, em troca de políticas compensatórias. Mesmo assim elas continuam acampadas, pressionando para que de fato consigam ser assentadas. E com isso, com a não-realização da Reforma Agrária, aumenta a violência e a truculência de governos, latifundiários e empresas transnacionais. Principalmente nos locais onde existem grandes latifúndios e em que os poderes do Estado ou estão coniventes, ou omissos.

JST – É possível aplicar uma Reforma Agrária dentro desta lógica neoliberal?

JR - Para nós está claro que não há a mínima condição de ser realizado uma Reforma Agrária dentro dos marcos capitalistas. Nós estamos discutindo que é possível sim, com a força das organizações, com a força popular, a gente construir uma grande força e conseguir realizar uma Reforma Agrária social popular que se contraponha a esta que está sendo supostamente aplicada. Só acreditamos que seja possível uma Reforma Agrária de fato, se a gente construir esta grande força. Que agregue as diversas organizações, movimentos, entidades do campo da cidade para a luta concreta que enfrente este modelo.

JST – Há uma grande investida na produção de etanol no Brasil. Um aumento significativo de terras cultivadas com cana-de-açúcar, o resgate das usinas falidas, etc... Qual a consequência disso nos assentamentos?

JR - Este grande projeto em curso do modelo econômico e agrícola, controlado pelas grandes empresas transnacionais, tem um impacto muito forte na pequena agricultura e nos assentamentos. Este impacto é bem claro quando o Estado ao invés de incentivar a política agrícola que eleve a produção e comercialização dos alimentos produzidos nos assentamentos, introduz a subordinação da pequena agricultura e dos assentamentos à estas grandes empresas do sistema capitalista financeiro. Há um estímulo para que a pequena agricultura se desenvolva dentro do projeto do agronegócio. Assim, estes assentados terão que se aliar, se subordinar à esta lógica. Os que não querem têm como resposta as políticas compensatórias. E por isso também não há o melhoramento da qualidade de vida nos assentamentos.

JST – E mesmo com um cenário tão desfavorável, ainda podemos contar com conquistas significativas?

JR - Apesar de toda esta ofensiva do Estado - seja no judiciário, executivo, ou legislativo -, das grandes empresas e do latifúndio, tivemos sim boas conquistas. Com a compreensão que o MST tem de que a Reforma Agrária não sairá por força e vontade do governo, é que o Movimento nestes últimos tempos tem buscado unir forças com organizações, especialmente com a Via Campesina e muitas conquistas importantes podemos aqui destacar. Por exemplo, com relação a conquista da área da Syngenta no Paraná (área usada para experimentos ilegais e que foi palco do assassinato do companheiro Keno), no caso da área da Aracruz no Espírito Santo, dos tupis-guaranis, e outras tantas lutas de enfrentamento, que podem não ter dado nenhuma vitória direta, mas certamente pautamos diversos temas na sociedade. Mas com certeza, uma das maiores vitórias que tivemos neste período é a elevação da consciência e formação da nossa militância. Na compreensão deste modelo para que, a partir daí, a gente consiga avançar na luta estratégica e seguir estimulado. E temos também maior clareza de quem é o nosso maior inimigo. E estas conquistas servem para que em 2009 a gente siga unindo forças neste movimento contra o capital.

JST - Como fazer a disputa de projeto na sociedade?

JR - Nossa grande preocupação é construir e fortalecer as diversas organizações já existentes, assembléia populares, via campesina nacional e internacional e seguir unindo não somente os setores rurais, mas também os setores urbanos com campanhas, como “o petróleo tem que ser nosso”. Então, há a possibilidade de elevando o nível de consciência e reascendendo o movimento de massas na sociedade, nos temos compreensão que há possibilidade de fazer grandes mudanças sem se preocupar com o processo eleitoral. Nossa preocupação não é discutir este processo eleitoral. É avançar na construção de um programa para a Reforma Agrária que seja compreendido por toda a sociedade.

JST – Por que atuar nas regiões metropolitanas? Como avançar?

JR Talvez este seja um dos desafios mais importantes do nosso Movimento. Porque se analisarmos as estatísticas, as conseqüências deste avanço do capital financeiro na agricultura têm feito com que uma boa parte da população rural seja expulsa do campo para as cidades. E estas pessoas acabam nas favelas. E qual a nossa participação neste processo? Não temos dúvida da nossa contribuição junto com outros setores da sociedade nos meios urbanos, com organizações urbanas. É preciso compreender a importância do fortalecimento deste setor urbano e rural de forma unificada. Talvez seja a saída para que nosso povo saia deste momento de desânimo. Temos este papel de contribuir no processo de formação, participação e no incentivo e também no exemplo da luta permanente contra o capital, que é o nosso principal inimigo.

JST - Diante deste quadro, quais os maiores desafios do MST com seus 25 anos de luta?

JR - Chegamos até aqui com muita luta, muita mobilização e também com muita esperança. Nós não temos um outro caminho a não ser começar a rediscutir e debater – é o que estamos fazendo agora – de que é preciso a gente olhar um pouco mais para os objetivos específicos e estratégicos do nosso Movimento que é a luta pela terra, pela Reforma Agrária e pela transformação da sociedade. A luta pela Reforma Agrária, um tema que foi tirado de pauta nos últimos anos, não somente pelo governo, mas também por alguns setores populares, é preciso ser recolocada na pauta do dia. São dois papéis fundamentais: a luta pela Reforma Agrária e a luta em conjunto com outros setores pelas transformações necessárias no Brasil e no mundo. Além de sempre trabalhar na formação política da nossa militância. Com tudo isso e a compreensão dos nossos objetivos e desafios, conseguiremos dar este salto de qualidade na nossa atuação e completar mais 25 anos.


Fonte: Jornal Sem Terra

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