Grupo de seis empresas controla mercado global de transgênicos

Basta dar uma olhada na lista de cultivos geneticamente modificados já liberados para plantio comercial em território brasileiro pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) – cinco tipos de soja, 18 de milho e 12 de algodão, além de uma de feijão – para se ter a noção exata de que o clube dos transgênicos é para pouquíssimos sócios.

Com exceção da nacional Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), todos os cultivos liberados até hoje no Brasil utilizam tecnologia transgênica e defensivos agrícolas produzidos pelas seis grandes empresas transnacionais que também lideram o setor de transgenia em nível global: Monsanto (Estados Unidos), Syngenta (Suíça), Dupont (EUA), Basf (Alemanha), Bayer (Alemanha) e Dow (EUA).

O monopólio praticado pelas transnacionais no mercado agrícola brasileiro se reproduz em todo o mundo. Um relatório divulgado em março pelo Grupo ETC, organização socioambientalista internacional que atua no setor de biotecnologia e monitora o mercado de transgênicos, revela que as seis maiores empresas, apelidadas de “Gene Giants” (Gigantes da Genética), controlam atualmente 59,8% do mercado mundial de sementes comerciais e 76,1% do mercado de agroquímicos, além de serem responsáveis por 76% de todo o investimento privado no setor.

A concentração de mercado, por si só, já seria passível de críticas, mas ambientalistas, associações de defesa do consumidor e adversários dos transgênicos em geral também repudiam severamente os métodos utilizados ao longo dos anos pelas Gene Giants para consolidar seu monopólio. Nos países onde atuam, a ação das empresas transnacionais, ainda hoje, é norteada pela política do fato consumado na introdução de seus produtos (com práticas como a distribuição ilegal de sementes ou a contaminação deliberada de lavouras convencionais), a pressão sobre os agricultores para a adoção da tecnologia transgênica e dos produtos químicos agrícolas a ela associados e a influência direta sobre os órgãos nacionais do poder público responsáveis por deliberar sobre a liberação de organismos geneticamente modificados.

“No Brasil, essas transnacionais compraram praticamente todas as pequenas e médias empresas de sementes, além de dominarem a cadeia agroalimentar desde a produção de sementes, agroquímicos e agrotóxicos até a parte de logística, transporte e exportação.

Os agricultores hoje no Brasil estão submetidos aos interesses dessas transnacionais. Isso é um problema grave para um país que quer ter soberania alimentar e condições melhores de produção para garantir alimentos de qualidade à população”, diz Darci Frigo, advogado da organização socioambientalista Terra de Direitos. Nesses dez anos de reinado transgênico no país, diz Frigo, a perda da diversidade alimentar já é realidade: “Essas empresas vêm homogeneizando a dieta com poucos produtos. Basicamente, aqueles produtos que interessam a elas do ponto de vista da aplicação de determinados agrotóxicos ou outros insumos, com a chamada venda casada”.

Um dos métodos utilizados pelas transnacionais, diz Frigo, é cooptar cooperativas agropecuárias para fazer a distribuição das suas sementes e, à medida que as empresas de sementes vão sendo compradas e o mercado dominado, colocar à venda apenas a semente com a qual terão mais lucro: “Aqui no Brasil, muitas vezes, os agricultores iam comprar as sementes convencionais e não as encontravam mais, ou as encontravam em quantidades muito pequenas, o que os obrigava a, não tendo outra opção, comprar as sementes que, por exemplo, a Monsanto impunha no mercado. Então, essa imposição do pacote tecnológico, a imposição da transgenia, se deu a ferro e fogo. Quando os agricultores se deram conta, haviam entrado em um caminho sem volta”.

A captura dos agricultores é também apontada pelo pesquisador Paulo Brack, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): “Se você falar com um agricultor gaúcho sobre a opção de não plantar transgênicos, ele simplesmente vai te dizer que não existe mais semente convencional. O mercado foi tomado pelas sementes transgênicas. Hoje, ele está dominado, e você não tem nem mais a alternativa de plantar culturas convencionais. Isso é um escândalo, porque vai contra a economia do próprio agricultor, que perde a possibilidade de fazer a sua própria semente e tem de pagar royalties para as empresas. O círculo está se fechando, e o governo deveria resguardar, no mínimo, a possibilidade de produção de sementes convencionais e sementes crioulas”, diz.

Influência

Talvez as mais conhecidas peças de denúncia sobre os métodos utilizados pelas gigantes do setor de transgenia, o livro e o filme “O mundo segundo a Monsanto”, ambos da francesa Marie-Monique Robin, relatam a trajetória histórica da empresa estadunidense, desde o seu envolvimento nas pesquisas sobre a bomba atômica (que acabou jogada sobre os civis japoneses nos anos 1940) e a criação do agente laranja (utilizado para matar civis na guerra do Vietnã nos anos 1960) até sua chegada à tecnologia transgênica e ao novo papel de “empresa agrícola” nos anos 1990.

Durante todas essas décadas, relata Robin, a Monsanto jamais deixou de exercer forte influência sobre os agentes públicos que ocupavam postos em órgãos de estratégica importância como, por exemplo, a agência que regula o mercado de alimentos, drogas e produtos químicos nos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês). Livro e filme têm também uma parte especialmente dedicada à América do Sul, onde mostram os métodos utilizados pela Monsanto para introduzir ilegalmente a soja transgênica RR na lavouras do estado brasileiro do Rio Grande do Sul.

No Brasil, o método básico de ação das Gene Giants para consolidar a posição de seus produtos no mercado também alia a pressão sobre os agricultores à tentativa de influenciar setores estratégicos da administração pública: “Há uma influência muito grande no direcionamento da pesquisa e também no âmbito do Congresso Nacional e do financiamento das campanhas eleitorais. Isso determina que os temas de interesse das empresas de biotecnologia acabem entrando na lógica do parlamento. A bancada ruralista presta serviço à transgenia, apesar de os agricultores serem dominados pelo cartel formado por essas empresas, porque os parlamentares recebem apoio para suas campanhas eleitorais”, diz Darci Frigo.

Segundo o dirigente da Terra de Direitos, é tanta a força das gigantes da transgenia no Brasil atualmente que elas até mesmo reduziram sua propaganda: “As empresas abandonaram o discurso de que transgênico diminui o uso de agrotóxicos porque já estabeleceram seu domínio sobre os agricultores e o mercado, e agora ninguém mais vai discutir essa diminuição. As autoridades não questionam e o Ministério da Agricultura não se estrutura para fazer uma real fiscalização do que acontece no terreno. É grande a influência dessas empresas por meio da pressão sobre os parlamentares ou por meio das ações de cooptação dos órgãos responsáveis pela fiscalização, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para liberar agrotóxicos, ou a CTNBio, para liberar transgênicos”, diz Frigo.

iTunes transgênico

Mais recentemente, setores antitransgênicos manifestaram seu repúdio à iniciativa de algumas empresas transnacionais que anunciaram o compartilhamento gratuito de tecnologias relativas a seus produtos para pesquisadores de países em desenvolvimento. Nos Estados Unidos, um acordo inicialmente elaborado pela Monsanto, e agora posto em prática pela General Electric (GE), promete liberar aos agricultores informações técnicas sobre diversos produtos da empresa que já tiveram suas patentes expiradas: “Com isso, querem fazer que uma prática monopolista pareça um ato de caridade”, diz o relatório do Grupo ETC.

A medida de maior impacto, no entanto, foi anunciada em janeiro pela Syngenta. A transnacional suíça lançou na internet o que define como uma “plataforma de compartilhamento de inovação na agricultura”, onde disponibiliza gratuitamente para pesquisadores algumas técnicas e características genéticas de suas sementes patenteadas. Ironicamente batizada pelo movimento socioambientalista como o “iTunes dos Transgênicos”, o site da Syngenta é definido pelo Grupo ETC ao mesmo tempo como “uma tentativa de imposição de transferência tecnológica para o Sul” e “uma jogada concebida expressamente para acalmar o movimento contra o patenteamento de plantas que ganha força na Europa”.

Briga por royalties

No que diz respeito a patentes, o poder de persuasão das empresas que controlam o setor de transgênicos também tem seus limites. Absoluta no mercado brasileiro de soja transgênica, a Monsanto mantém há anos uma complicada relação com os produtores do grão no país por conta da cobrança de royalties relativos à sua tecnologia RR. Em junho deste ano, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), motivada por uma ação da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), determinou que a empresa suspendesse a cobrança de royalties, considerada indevida. A decisão obrigou a Monsanto a fazer um acordo com os produtores brasileiros para o ressarcimento de R$ 212 milhões cobrados indevidamente nas safras 2010/2011 e 2011/2012.

Diretor técnico da Aprosoja-MT, Nery Ribas afirma que, se dependesse das poucas informações transmitidas aos produtores pela Monsanto ao longo de todos esses anos de relação, a cobrança indevida não teria sido percebida: “Antes, a dificuldade em obter informações era muito grande, mas, com a contratação de consultorias especializadas, conseguimos demonstrar que a patente havia vencido em agosto de 2010. Ou seja, já havia sido cobrado indevidamente em duas safras”, diz.

A Aprosoja-MT liderou então um movimento pelo fim da cobrança dos royalties que acabou tendo efeitos em todo o Brasil: “Entramos com a ação e ganhamos em todas as instâncias. A Monsanto reconheceu o erro e estendeu esse benefício para todo o país. Já não cobrou os royalties nessa última safra [2012/2013] e, depois de muita discussão, chegamos a um acordo. Aquilo que nos foi indevidamente cobrado, vão ter de pagar em dobro. A legislação brasileira é muito clara: cobrou indevidamente, tem de pagar em dobro”, diz Ribas.

O acordo será efetivado na comercialização da nova tecnologia transgênica para soja desenvolvida pela Monsanto no Brasil, conhecida como Intacta: “O que temos para receber, relativo a esses dois anos, nos vai ser pago em forma de bônus no uso da nova tecnologia. Por quatro anos, a Monsanto concederá um bônus que o produtor poderá utilizar na aplicação da tecnologia. Em vez de R$ 115 por hectare, que é o preço dos royalties já definido pela Monsanto para a Intacta, serão cobrados R$ 96,50. Ou seja, haverá R$ 18,50 a menos por hectare durante quatro anos”, diz o dirigente da Aprosoja.

Nery Ribas diz que o cultivo de transgênicos “tem suas desvantagens, e uma delas é a obrigação de pagamento de royalties” às empresas detentoras da tecnologia: “Não somos contra a tecnologia e não somos de maneira nenhuma contra pagar pela tecnologia, mas desde que seja bom, justo e interessante para os dois lados. O que vinha ocorrendo é que o monopólio de uma única empresa sobre a inovação tecnológica fez que ela cobrasse um preço que nunca foi discutido pelos produtores. A Monsanto chegava, determinava o valor e pronto. Não se discutia valor, forma de cobrança etc. Nunca se discutiu isso, e o produtor, pela utilização dos benefícios, nunca questionou e sempre pagou, mas sempre reconhecendo que era muito caro”, diz.

Fonte: Repórter Brasil

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