Gerdau: A Gente Erra Sim

Jorge Gerdau Johannpeter – Estamos, sim, vivendo um momento extraordinário. O mundo todo está olhando o Brasil. O mercado cresce, então, as oportunidades para o Brasil estão existindo. O desafio é aproveitarmos esta demanda do mercado e nos capacitarmos para um crescimento sustentável. E não apenas momentâneo, que nos possibilite criar condições de qualidade de vida para a população, de educação, custos etc. Então, o que precisamos é de uma capacitação em nível mundial.
ZH – E temos condições?
Gerdau – Sem dúvida.
ZH – Qual a razão principal de o país ter superado a crise mais rapidamente? Quais as lições que ficam da crise?
Gerdau – Acredito que as políticas e instrumentos dos bancos centrais deveriam ser uniformizadas no mundo. Não pode haver em um determinado lugar e, em outro, não existir. O Brasil se saiu bem porque adotou políticas mais ortodoxas, enquanto outros países tinham alto endividamento, juro negativo e políticas menos ortodoxas. Acho que este é grande aprendizado das estratégias de planejamento a longo prazo.
ZH – O senhor esperava isso, alguns anos atrás, de um governo do PT? Talvez não se esperasse também que o senhor virasse conselheiro do PT. Quem mudou mais, o Brasil, o senhor?
Gerdau – O mundo mudou. Independentemente de partido ou não, sempre tive uma posição de procurar ajudar no sentido de melhorar o país. Nunca me deixei contagiar por posições políticas momentâneas. E, de outro lado, o presidente Lula é uma pessoa tremendamente aberta, que sabe escutar, ele tem o aprendizado da vida. Então, as coisas aconteceram ao natural.
ZH – Existem vencedores da crise? E perdedores?
Gerdau – Para mim, perdeu o mundo. Esse processo de certo modo de irresponsabilidade que foi construído fez com que o mundo todo tomasse riscos e decisões que induziram a erros. E o mundo todo está pagando as consequências. Quem errou menos, está pagando menos. O Brasil não errou muito, estamos saindo melhor da crise, mas o mundo está pagando.
ZH – A liberdade de mercado, principalmente a do mercado financeiro, parecia não ter limites. Faltou regulação?
Gerdau – O mundo já é regulado demais, na minha opinião. O problema é que, em algumas áreas, não existia regulação. É preciso analisar muito bem onde houve falhas de regulação e como, daqui para a frente, o mundo deve caminhar. Se a gente estabelecer regulação em tudo, vai se matar a iniciativa. O mundo foi criado pela competência da iniciativa e da imaginação do ser humano. É preciso achar um balanceamento deste processo. Agora, às vezes adotar políticas irresponsáveis não tem nada a ver com regulação. Ao contrário, é um problema de total desregulação.
ZH – A mão do Estado, tão condenada por alguns setores nos últimos anos, foi, porém, a salvação para muitos no auge da crise. E, no caso brasileiro, foi fundamental para que setores não afundassem ainda mais.
Gerdau – Um pouco dos recursos que o Estado arrecadou nos últimos anos voltou, agora, com a crise para a sociedade. Eram recursos acumulados pela União com o compulsório ou impostos. Inteligentemente, o governo estimulou o consumo e recuperou. Devolveu um pouco do que, talvez, tenha tirado demais antes.
ZH – Aproveitando o bom momento que vive a sociedade brasileira, qual deveria ser a maior prioridade a partir de agora para o país não ficar só deitado em berço esplêndido?
Gerdau – O Brasil tem de concentrar todos os seus esforços em primeiro lugar em educação. O maior fator de desenvolvimento é investir em educação, principalmente educação básica. O segundo ponto seria ampliar os investimentos em infraestrutura, possibilitando que o país cresça. Essa conjugação de fatores é uma prioridade absoluta. Mas, se analisarmos prioridades mais amplas, existem dezenas de áreas que merecem atenção. Diria que é aumentar a capacidade de investir sem aumentar impostos com melhor capacidade de gestão e investir na educação são peças-chave para o sucesso do país.
ZH – Neste momento também parece ser importante evitar a euforia exagerada.
Gerdau – Quando todos vão bem, a tendência é pensar que toda a vida sempre vai ser boa. Mas eu acho que, quando as coisas vão bem, a gente precisa analisar os casos com mais profundidade. É extremamente importante nos períodos de euforia fazer um esforço para que sejam analisados os riscos, para evitar a repetição de novos erros.
ZH – O senhor já errou muito?
Gerdau – Estou convicto de que não sou melhor e nem pior do que ninguém. A gente erra, sim. Quem me disser que não errou, não acredito. A primeira atitude é a humildade de analisar. No nosso grupo, estamos anotando o que não analisamos no período do boom. A gente erra na euforia. Os maiores erros que me recrimino foi não ter estudado todo o cenário, tanto do ponto de vista de fazer quanto de não fazer. Com o estudo, diminui a possibilidade de erro e as chances de sucesso são enormes.
ZH – O Brasil acaba de viver um apagão. Isso foi um sinal da deficiência em infraestrutura e ao mesmo tempo um alerta do que é preciso investir mais levando em conta as necessidades que serão geradas por dois eventos internacionais, como a Copa do Mundo e a Olimpíada que o Brasil vai sediar? Como ampliar a dotação do governo de apenas 1,2% do seu Produto Interno Bruto para investimentos?
Gerdau – É preciso melhorar a gestão, temos dezenas de exemplos de como melhorar a gestão. Quanto ao apagão, ainda estão sendo feitas análises complementares. No momento, não temos crise de geração e o problema ocorreu por um fator ainda indefinido. É preciso analisar muito bem o tema porque, para não passarmos por apagão nenhum, é exigido um aumento de investimentos que, talvez para o país, seja melhor ter o risco de um apagão. É praticamente impossível ter uma estrutura que evite apagão. O custo da energia seria de tal ordem que é melhor ter o risco de um apagão de vez em quando.
ZH – Posição diferente esta sua.
Gerdau – É que o pessoal tende a fazer uma promessa, mas o poder e a grandeza da natureza não estão totalmente nas nossas mãos. Nas empresas, o tema é analisado de forma técnica, em que faixas podemos trabalhar. Mas o importante é que hospitais, por exemplo, tenham reservas de geradores para que não se enfrentem problemas no campo da saúde. Se o país tiver a cada 10 anos um apagão como esse, podemos conviver. Se em contrapartida o país não enfrentar apagão algum e o custo de energia subir 30%, 40%, qual a decisão que você tomaria?
ZH – Eu ficaria com o risco, claro.
Gerdau – Eu também. Prefiro ter um apagão a cada 10 anos do que pagar energia 40% mais cara. Mas este debate não está sendo feito. Houve alguns indicativos, mas a discussão deve ser colocada.
ZH – A poucos meses da nova campanha presidencial, qual deve ser a estratégia de associações de classe para influenciar que os programas dos candidatos tenham garantias dos investimentos necessários, sem aumento da carga tributária, claro?
Gerdau – Nas campanhas deve ser considerado o fato de que a situação financeira excepcional do país exige planejamento a médio e longo prazos, não apenas os de curto prazo, como tem sido o nosso processo histórico. É a tendência dos planejamentos no país, muito em função do processo eleitoral. Mas está na hora de pensarmos e sonharmos com um país desenvolvido, socialmente justo, com a capacidade que potencialmente o Brasil tem. É preciso debater. O momento é agora.
ZH – Com os três candidatos potenciais à sucessão – Dilma, Serra e Ciro, há possibilidade de este debate vingar?
Gerdau – Acho que a Dilma, que conheço muito bem, e o Serra têm uma visão técnica do tema. Quando foi candidato a presidente, o Ciro já tocava em discussões mais a longo prazo. Gostaria, porém, que esta aspiração não fosse só dos candidatos, mas uma visão global da população brasileira.
Fonte: Zero Hora