Rotatividade: chance de 2 pessoas acabarem o ano no mesmo emprego é de 13%
A probabilidade de duas pessoas que começam o ano trabalhando juntas terminarem aquele ano na mesma empresa é de apenas 13%, segundo cálculos do economista Gustavo Gonzaga, da PUC-Rio. O percentual assusta e revela o quão alta é a rotatividade no Brasil. Na década de 1990, 45% dos trabalhadores com carteira assinada trocavam de emprego em um ano. A taxa acelerou para 53,9%, em 2002, e atualmente chega a 64%, uma das maiores, quando se consideram todos os motivos para a saída do emprego, como demissão sem justa causa, a pedido do funcionário, aposentadoria, morte ou transferência.
A jovem Mariana Castello, de 24 anos, que começou a trabalhar aos 17, hoje está em seu quarto emprego e o mais longevo: há um ano e meio trabalha como assistente de recrutamento no Grupo Trigo, dono das marcas Spoleto, Domino’s e Koni Store. As passagens por empregos em outros ramos do varejo foram meteóricas: um mês, oito meses, nove meses. Em todas, pediu para sair, ora por exaustão com a rotina sem folgas das lojas, ora por falta de perspectiva e, em todos os casos, pelo baixos salários.
"Quando estava no segundo emprego, em uma papelaria, percebi depois de oito meses que era a funcionária mais antiga. O mais difícil nisso tudo foi fazer contatos, criar relacionamentos, tudo era muito rápido", afirma Mariana.
A rotatividade se acentuou na última década no país, junto com a melhora do mercado de trabalho. Com a taxa de desemprego em mínimas históricas, o trabalhador passou a ter menor temor de pedir demissão porque acha mais fácil encontrar outro emprego, dizem especialistas.
A maior parte dos desligamentos no país continua sendo por demissão sem justa causa, mas, nos últimos anos, aumentou a parcela de empregados que tomaram a iniciativa de pedir para deixar o trabalho. Em 2002, este percentual era de 16%. Em 2012, passou para 25%.
"Há maior rotatividade em virtude das maiores oportunidades de trabalho", diz Ademir Figueiredo, economista do Dieese.
Fabiana da Costa, de 35 anos, sabe o que é pular de emprego em emprego. Desde que se tornou mãe e saiu da loja em que era gerente, passou por várias marcas femininas, sempre por períodos que não superavam nove meses. Em todos os casos, pediu para sair. Chegou a fazer acordo com o patrão para receber benefícios.
"Não me adaptei às exigências de mudança de coleção. Sempre que conseguia um salário melhor, mudava. Só dava tempo de pegar a carteira para dar baixa e depois levar no novo emprego", diz ela, hoje supervisora da Taco.
Gonzaga, que tem se dedicado a uma série de pesquisas sobre o tema, vê um outro componente na alta rotatividade. Ele considera que vem da legislação trabalhista uma série de “desincentivos” à manutenção do emprego. O economista avalia que a rotatividade é vista como geradora de ganhos de curto prazo, como o fácil acesso a seguro-desemprego e abono salarial, e, por isso, poucos investem em qualificação.
Demissões sobem após 6 meses de trabalho
O economista chama a atenção para o fato de que existe um salto nas demissões quando o trabalhador completa seis meses de casa, período em que, por lei, passa a ter direito ao seguro-desemprego. A média saltava de 33 mil demissões, entre aqueles com cinco meses de casa, para 58 mil, quando completavam seis meses.
Os números se referem apenas aos trabalhadores que não receberam o seguro-desemprego nos últimos 16 meses. Segundo o economista, salta aos olhos o fato de que, no país, o trabalhador costuma esperar todas as parcelas do seguro-desemprego para voltar a procurar emprego, ao contrário dos EUA: somente 1% se reemprega no Brasil em até cinco meses após a dispensa.
"É prova de que os trabalhadores são estimulados a buscar menos empregos. A rotatividade no Brasil chegou a um nível muito alto. É mais que o dobro de países como EUA e Reino Unido. Isso traz problemas sérios de produtividade", diz Gonzaga, que se diz favorável à mudança da regra do seguro-desemprego, para que seja sacado a partir de 12 meses de trabalho, e a mudanças no abono salarial.
O economista da Unicamp Claudio Dedecca também vê problemas para a produtividade com o entra-e-sai das empresas, mas discorda que a legislação estimule a alta rotatividade. Ele defende um endurecimento das regras. Para inibir demissões injustificadas, se diz favorável a que empresas sejam obrigadas a justificar os cortes. O Ministério do Trabalho estuda medidas para conter a rotatividade. Entre elas, a cobrança adicional de empresas que tenham rotatividade acima da média.
"Se pegar a seleção brasileira e rodar seus jogadores, dificilmente eles vão jogar bem, mesmo com bons jogadores. Para se ter um coletivo, como na seleção alemã, é precisa que trabalhem juntos. A rotatividade chancela os baixos salários e o trabalhador não vê uma ascensão", afirma.
Para Vagner Freitas, presidente da CUT, ainda é muito fácil demitir:
"É preciso um sistema de proteção ao emprego. Mesmo com toda a geração de vagas é muito fácil demitir porque se contrata outro trabalhador pagando-se menos."
O economista João Saboia, da UFRJ, vê no baixo nível educacional da mão de obra a principal razão para a baixa produtividade da economia. Para ele, uma das formas de se combater a rotatividade passa pelo aumento do treinamento em empresas e por mais fiscalização contra fraudes.
"Não acho que exista um excesso de benefícios. A produtividade vem pela educação de qualidade e pelo aumento da taxa de investimento. É uma questão central que explica o porquê de não estarmos crescendo",afirma Saboia.
Com rotatividade menor, economia de R$ 3,5 bi
O investimento em treinamento foi a saída encontrada pelo Grupo Trigo para reter pessoal. Com 50% dos funcionários mudando a cada ano, a rede aposta em cursos de malabares e teatro para estimular funcionários e reforçar a marca do Spoleto, conhecida pela agilidade no preparo de pratos.
"As pessoas ainda veem o varejo como um local de passagem e há muita competição. Por R$ 2 a mais, o concorrente leva o funcionário. Para cada vaga de caixa ou ajudante de cozinha, fazemos dez entrevistas, mas já foi pior", afirma o coordenador de RH do Grupo Trigo, Robson Lourenço.
A alta rotatividade tem afetado o aumento das despesas com seguro-desemprego e já acendeu a luz amarela no Ministério do Trabalho. O diretor do Departamento de Emprego e Salário do ministério, Rodolfo Torelly, estima que uma redução de 10% da rotatividade do emprego (considerando apenas demissões que permitem o recebimento de benefícios) significaria economia de R$ 3,5 bilhões por ano aos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) com os gastos com seguro-desemprego. Hoje, essas despesas ultrapassam os R$ 30 bilhões.
"Para cada dez pessoas desligadas, sete pedem seguro-desemprego. A rotatividade está alta e nada indica que ela tenha se alterado", afirma Torelly.
Fonte: O Globo