Queda na renda e sem direitos trabalhistas: a dura realidade das domésticas no país

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Queda na renda e sem direitos trabalhistas: a dura realidade das domésticas no país

Um dos retratos mais nítidos da desigualdade no Brasil é o trabalho doméstico, que na imensa maioria dos casos, tem baixo rendimento, é precário e informal, portanto, sem direitos. Atualmente há cerca de 5,9 milhões de trabalhadoras domésticas no país. Elas são cerca de 13% do total de mulheres ocupadas no Brasil. Desse total, 4 milhões são trabalhadoras sem carteira assinada, segundo dados levantados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio (Pnad-Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

Predominantemente feminina

Formada por cerca de 92% de mulheres, sendo e 65% negras, a categoria foi severamente impactada pela pandemia do coronavírus em 2020. Pelas condições de trabalho, muitas perderam seus empregos. Considerando os dados de 10 anos (entre 2012 e 2022), o Dieese mostra que a queda foi de 21,8% no número de trabalhadoras formais, passando de 1,9 milhão para 1,5 milhão este ano.

Por outro lado, o número de trabalhadoras sem carteira assinada passou de 4,1 milhões para 4,4 milhões, um aumento de 6,1%. São trabalhadoras que passaram a sobreviver de diárias e bicos para poder sobreviver e, portanto, sem direitos, como os previdenciários. A cada 4 trabalhadoras domésticas no Brasil, apenas uma tem carteira assinada.

E, tanto para as formais quanto para as informais, a realidade da pandemia foi de uma exposição crítica à contaminação pelo vírus, tanto no local de trabalho como no transporte público. Dados da pandemia foram revisados pelo Ministério da Saúde e apontaram que a primeira vítima da Covid-19 no Brasil foi de uma trabalhadora no Rio de Janeiro. Cleonice Gonçalves trabalhava desde os 13 anos de idade como doméstica.

Renda cai

No que se refere à renda, em um país de crise econômica aprofundada e alta inflação, elas tiveram retração na média salarial. Na comparação do 4° trimestre de 2019 com o mesmo período no ano de 2021, a média salarial caiu de R$ 1.016 para R$ 930, portanto menos do que um salário mínimo, cujo valor em muitos locais do país, como São Paulo, sequer compra uma cesta básica que custava em junho R$ 1.226 – acima do salário mínimo de R$ 1.212.

Condições de trabalho análogas à escravidão

O conjunto desses fatores já aponta como são as relações sociais e condições trabalhistas para essas trabalhadoras. Mas a realidade vai além. São constantes as denúncias de trabalhadoras mantidas em condições análogas à escravidão. Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), a média mensal de denúncias aumentou em 123% somente este ano. Antes eram sete denúncias ao mês, agora já são 16.

Os casos mais recentes, inclusive, ganharam grande repercussão. Em junho deste ano, uma trabalhadora de 63 anos foi resgatada em Nova Era (MG) após 32 anos de trabalho análogo à escravidão. Ela nunca tinha recebido salário, 13° e outros benefícios. Também não tinha jornada de trabalho fixa, descanso nos fins de semana e férias.

Outro caso foi de uma idosa de 89 anos, em Santos, no litoral paulista. Yolanda Ferreira ‘trabalhava’ em uma residência desde os anos 1970, era privada de sua liberdade e nunca recebeu salários. Foi a denúncia de vizinhos que possibilitou que a trabalhadora fosse resgatada.

“Só a crueldade de pessoas que ainda guardam no DNA a cultura escravocrata do Brasil-colônia pode explicar a decisão de famílias com algum poder aquisitivo de ainda manterem mulheres pobres, a maioria negras, como escravas dentro de suas casas”, afirma a presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista.

Pandemia agravou a desigualdade das trabalhadoras domésticas

Comparado com o ano de 2019, antes da pandemia, o ano de 2020 teve uma queda no número de ocupações de 25,6% e o ano de 2021 uma queda de 19,3%. “Podemos observar que as trabalhadoras domésticas foram profundamente atingidas, demonstrando a falta de políticas públicas de emprego para esse público”, afirma Adriana Marcolino, técnica do Dieese (subseção/CUT).

Adriana destaca a renda com um dos flagelos da categoria e cita políticas públicas que foram destruídas como fator agravante para a queda salarial. “Enquanto vigorava a política de valorização do salário mínimo, o rendimento médio das trabalhadoras domésticas crescia. De 2012 até 2019 cresceu 12,6%, acima da inflação”, ela afirma explicando que a maior parte delas recebe salário mínimo ou valor próximos.

A política de valorização foi criada em 2014 no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi extinta no governo de Jair Bolsonaro, já no primeiro ano de seu mandato, em 2019. A partir de então, a média salarial começou a apresentar queda. Entre 2019 e 2022, o rendimento médio dessas trabalhadoras registrou uma redução de -6,8%.

De olho no futuro

O que a categoria espera do poder público é a promoção de igualdade de direitos, inclusive para as diaristas, a fiscalização e a aplicação da Lei das Domésticas, sancionada em 2015, pela ex-presidente Dilma Rousseff. Também cobram a aplicação da Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) já ratificada pelo Brasil. A convenção 189 trata do tema.

PEC das Domésticas

A Lei das Domésticas que teve origem na Emenda Constitucional 72 de 2013 (chama da PEC das Domésticas) regulamentou direitos que mesmo ainda necessitavam de dispositivos extras para valer de fato, como Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), adicional noturno, controle de ponto obrigatório, banco de horas, adicional de viagem, entre outros.

“Sem dúvida, essas leis foram um avanço sem precedentes, porque buscaram romper com as ainda existentes relações de servidão herdadas de nosso passado e garantir os direitos trabalhistas” pontua Adriana Marcolino.

Hoje a luta das domésticas continua para ampliar direitos, no entanto, reforça a categoria, é necessário que o poder público tenha um olhar voltado à classe trabalhadora tanto no legislativo (deputados e senadores) como no executivo (presidente da República). Entre os poucos parlamentares contrários à PEC das Domésticas, à época, esta Jair Bolsonaro, então deputado pelo Progressistas.

Entre as alegações para votar contra, em plenário, o então deputado afirmou: “chega a ser um absurdo aqui, se minha babá tiver um filho até seis anos de idade, eu tenho de pagar creche para o filho dela. É inexplicável a irresponsabilidade”, disse.

Fonte: CUT Nacional

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