Por que a privatização dos bancos é um mau negócio para o Brasil
Ao defender a venda de ativos, ministro da Economia ignora papel das instituições federais no desenvolvimento do país
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem alardeado em eventos dentro e fora do Brasil sua vontade de privatizar tantas quantas empresas estatais forem possíveis, inclusive os maiores bancos públicos do país: a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil (BB). Juntas, essas duas instituições são as principais responsáveis pela concessão de crédito imobiliário e agrícola no país, além de estímulo às pequenas e médias empresas.
Em janeiro de 2018, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) demonstrou que as empresas estatais distribuíram, entre 2002 e 2016, mais de R$ 285 bilhões em dividendos para a União, ou seja, para os cofres públicos. Somente os bancos públicos distribuíram R$ 203 bilhões desse total. Vender esses ativos, na prática, significa também abrir mão de vultosos lucros que podem ajudar a compor o orçamento público federal em áreas como saúde, educação e segurança pública.
“Por que o Estado vai vender empresas lucrativas que ajudam no desenvolvimento interno e geram empregos, exercendo um papel estratégico para o país?”, questiona Juvandia Moreira, presidente da presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf). Na última semana, Guedes chegou a sugerir uma fusão entre BB e o Bank of America, com sede nos Estados Unidos, o que reforçou a polêmica sobre a possibilidade de entrega das instituições públicas ao capital estrangeiro.
Os bancos públicos cumprem uma função social, por meio do fomento do desenvolvimento regional, por exemplo, que não se verifica nos bancos privados – cujo foco de atuação é exclusivamente em áreas onde se pode lucrar. Isso explica, por exemplo, a baixa presença de bancos privados nas regiões mais pobres e menos desenvolvidas do país. Em estados como Roraima, Pará, Acre, Tocantins e Piauí, os bancos públicos como Caixa e BB chegam a representar até 80% das agências.
“Dos 5.590 municípios brasileiros, 60% contam com agência bancária (3.365). Desse total, 950 são apenas de bancos públicos. Privatizar os bancos públicos pode reduzir o número de agências bancárias no Brasil”, alerta Juvandia Moreira, da Contraf. Segundo ela, um município sem agência bancária tem baixo desenvolvimento econômico e pouco estímulo ao comércio.
Bancos privados concentram investimentos no Sudeste
Esse cenário também se reflete na concessão de crédito, que realmente tem efeito na economia, com geração de renda e emprego, num país com mais de 13 milhões de desempregados. Os bancos privados, no Brasil, destinam a maior parte de seus recursos para o Sudeste, enquanto nas demais regiões, mais de 80% do crédito é garantido por bancos públicos, chegando a quase 95% do total nos estados do Norte.
“O avanço do crédito é importante para pagar os salários, criar renda, de modo que as pessoas possam poupar, de modo que as empresas possam ganhar para repagar os bancos. É nesse movimento que se expande a economia”, afirmou ao Brasil de Fato o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor de Economia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Belluzzo lembra, por exemplo, do papel histórico dos bancos públicos na economia brasileira, como o protagonismo do Bando do Brasil, na década de 1930, para recuperar a indústria do café, completamente destruída pela Grande Depressão de 1929. “Isso continua nos anos 1950, como Getúlio Vargas, que cria o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], com o Juscelino Kubitschek e com os militares” explica.
Privatizar loteria afeta políticas públicas
“Do total arrecadado nas lotéricas, 37% são destinados para a seguridade social, o esporte, a cultura, segurança, educação e saúde. São verbas carimbadas. Entregar as lotéricas para os bancos privados pode acabar com isso”, observa a presidente da Contraf, Juvandia Moreira.
Além de leiloar as loterias da Caixa, o governo já anunciou que pretende privatizar as áreas do banco que vendem seguro, cartão de crédito e que cuidam do FGTS.
CEF é para habitação
A Caixa Econômica Federal, que cuida do pagamento de programas sociais e da administração do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), foi responsável por mais de 75% do crédito imobiliário concedido à população no ano de 2015. Foram direcionados mais de R$ 370 bilhões para essa finalidade. Para se ter uma ideia, no mesmo ano, Itaú, Santander, Bradesco e HSBC responderam, juntos, por R$ 86 bilhões do crédito imobiliário.
Apesar dessa importância estratégica, num país onde o déficit habitacional ultrapassa as 7,7 milhões de morarias, o desmonte da Caixa segue em curso. No último ano, foram fechadas 25 agências e 37 postos de atendimento nos últimos, além da demissão de mais de 5 mil trabalhadores.
Crédito agrícola
“Não existiria o agronegócio brasileiro sem o Banco do Brasil e a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária]”, afirma Belluzzo. O BB e o Banco do Nordeste (BNB), outra instituição pública, são os principais operadores do Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar (Pronaf), responsável por cerca de 75% do volume de crédito concedido à agricultura familiar. Esse setor produz 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros. Apesar de ter sido aberta para todos os bancos, a operação do Pronaf só é oferecida pelo BB e pelo BNB, o que revela o desinteresse dos bancos privados em operações que oferecem pouco retorno financeiro.
Fonte: Brasil de Fato