País Vai Driblar A Recessão, Dizem Especialistas

SÃO PAULO - Apesar dos dados desanimadores sobre o PIB no quarto trimestre do ano passado, economistas, banqueiros e acadêmicos disseram ontem que veem sinais de alento para a economia brasileira este ano. A recessão não está afastada, mas a maioria deles prevê estabilidade (PIB sem crescimento) ou taxa ligeiramente positiva, apesar do agravamento da crise externa.

A avaliação feita pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo foi que a crise internacional é mais grave do que inicialmente se imaginava. O quadro atual aponta para uma recessão mundial este ano, com sério impacto negativo sobre o comércio internacional, o que afetará fortemente as exportações dos países emergentes.

A agricultura e a pecuária vão desempenhar um papel decisivo para ajudar o Brasil a suportar um menor crescimento econômico no mundo, causado pela crise financeira detonada a partir dos Estados Unidos no ano passado.

O ex-ministro Belluzzo discutiu os caminhos de desenvolvimento para o país, e destacou o setor rural como decisivo para atravessarmos o próximo ano sem decréscimos, por causa da produção e da exportação, e também abordou outras duas ações que ajudarão o País a enfrentar a turbulência: manter a estabilidade da economia e reconstituir o sistema de crédito.

"O Brasil tem sorte do seu sistema bancário não possuir as mesmas características dos bancos internacionais, além de possuir um balanço de pagamentos mais sólido do que outras nações. O Brasil está relativamente bem, mas não conseguirá escapar totalmente da crise pela ligação que possui com os demais países mundiais", explicou Belluzzo.

Segundo ele, o governo deve acelerar as ações para impulsionar a retomada de crédito, com ações de emergência como a criação do Fundo Garantidor, para que os bancos pequenos e médios voltem a emprestar dinheiro e com isso diminuam as perdas. Estas instituições foram as que mais sofreram com a escassez de recursos internacionais, que financiavam boa parte de suas operações no Brasil.

Na análise do economista, claramente, a crise financeira atual é a mais grave desde a quebra da Bolsa de Nova Iorque, no fim da década de 20.

"Em 1929, a queda nas bolsas ficou em 41%, e agora, a queda foi maior ainda, atingindo os 46%. E a ajuda dos bancos centrais de vários países passou dos 6 trilhões de dólares, o que resulta em um menor crescimento mundial", recordou Belluzzo.

O importante, segundo o ex-ministro, é manter a liquidez diante do comércio exterior: "O Fundo Monetário Internacional (FMI) necessita de maior agilidade para os empréstimos a curto prazo e com menores condicionalidades, e assim socorrer as maiores economias que estão com dificuldades."

Os Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) terão um papel fundamental na retomada da economia mundial e o Brasil pode ser o mais representativo. "A recuperação dos países será lenta e acontecerá com o prazo superior aos 12 meses, por conta do grande estrago", argumenta.

Os economistas reforçaram a gravidade desta crise mas, ao mesmo tempo, apontaram que ela pode significar a retomada de um novo paradigma social para os países ocidentais.

"Faço questão de alertar para um ponto que considero fundamental, o modelo de vida americano, que é copiado em dezenas de países e que é o principal causador desta crise", disse Belluzzo.

De acordo com dados da economia global, recorda o economista, "podíamos notar havia um forte desequilíbrio no balanço de pagamentos dos Estados Unidos que apresentava déficits entre 6,5% e 7% do Produto Interno Bruto americano em 2007, causado pelo consumo doméstico exagerado".

As famílias americanas estavam com endividamento da ordem de 140% da renda disponível. Ou seja, a renda anual estava sobrecarregada de dívidas que excediam em 40% o total da renda recebida. Comparado com 1985 o grau de endividamento doméstico era de 70%, recordou.

Belluzzo reforçou que é a emergência da China o segundo ponto que sobressai nesta crise, com a pujança de uma economia que exporta para todos os cantos do planeta, "O mundo mudou e a correlação de forças entre os países também. Temos que atacar nosso problema central que é o câmbio e reestruturar o sistema financeiro. A saída para a crise é mais que a economia. É necessário repensar o país. Nada melhor do que agora."

Segundo André Esteves, ex-presidente mundial do UBS Pactual e fundador da BTG Invest, o Brasil vai crescer pouco abaixo do que o governo brasileiro está projetando (1,5%). "Acredito em um crescimento de apenas 1% para 2009. O momento econômico mundial é gravíssimo. Até o país mais capitalista do mundo, a Inglaterra, teve seus principais bancos estatizados, e a maior seguradora dos EUA, a AIG, precisou de ajuda do Governo norte-americano", explica Esteves.

O especialista apontou ainda uma das saídas para a crise financeira. "É preciso fazer uma desalavancagem, é o que está por traz deste momento adverso dos Estados Unidos e da Europa. Na média do Brasil, tanto o setor financeiro como as empresas estão pouco alavancados. O momento é de desafios, mas estamos preparados", afirma Esteves.

Já o professor da Columbia University, Albert Fishlow, tem uma visão mais pessimista da economia brasileira, afirmando que o Brasil deve ter crescimento zero em 2009, "na melhor das condições". Segundo ele, isso poderá ocorrer caso a economia mundial comece a se recuperar no fim deste ano e apresente uma trajetória de expansão em 2010. "O Brasil não tem capacidade de financiamento externo como os Estados Unidos. O Brasil só tem 19% do PIB em poupança. A Índia, por exemplo, tem 25%. O plano do Brasil de aumentar a poupança interna para não depender do fluxo externo é uma necessidade", explica o professor.

Para Fishlow, essa previsão de crescimento zero neste ano pode ser considerada positiva, diante de quedas expressivas em outros países. O acadêmico estima que os Estados Unidos devem apresentar uma retração de 2% a 3% do PIB neste ano. "Se não fosse os US$ 200 bilhões de reservas conseguidos pelo Banco Central, o Brasil estaria pior", acrescenta o especialista, que aproveita para dizer que "ainda há espaço para uma queda da taxa de juros no Brasil", diz.

Fishlow explica que a globalização foi a principal causa do afastamento da crise para todas as economias mundiais. "A crise mostra como esta a globalização, como a queda dos EUA, Europa e Japão estão refletindo em todo o mundo. Na realidade temos um mundo só, e não um desenvolvido e um subdesenvolvido. Esperamos uma melhora em 2009 para os EUA e um crescimento no próximo ano", diz o professor.

O PIB do Brasil vai crescer este ano 0,4%, como reflexo da crise financeira internacional. Essa é a primeira projeção do ano para a economia brasileira divulgada pelo comitê de acompanhamento macroeconômico da Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima).

Os resultados da produção industrial de janeiro já deram uma sinalização de que a economia brasileira vai crescer menos. E, portanto, teremos mais espaço para a redução dos juros sem afetar a meta de inflação. A análise foi feita pela economista Valéria Áreas, superintendente da área técnica da Andima, responsável pelo comitê da instituição.

De acordo com o cenário traçado pelos economistas de diversas instituições financeiras, que integram o comitê da Andima, a taxa básica de juros Selic deverá atingir em dezembro deste ano a média de 9,71%, a menor taxa dos últimos anos, segundo destacou Áreas.

Por outro lado, a inflação acumulada no período, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ficará em 4,44%, dentro da meta estabelecida pelo governo de 4,5%.

Áreas disse que o cenário externo é motivo de preocupação e vai influenciar diretamente a economia brasileira. Ela observou que a extensão da crise depende em grande parte do grau de ajuste nas expectativas de crescimento global, de quando esse crescimento será retomado, e dos consequentes graus de aversão a risco dos agentes econômicos.



Fonte: DCI

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