Justiça anula contratos intermitentes e obriga patrões a pagarem verbas rescisórias
Os Tribunais de Justiça do Trabalho têm reconhecido o direito de quem foi contratado para o trabalho intermitente, mas tinha uma carga horária maior do que a permitida para esse tipo de contratação. A Justiça entendeu que as empresas estavam fraudando esse tipo de contrato e determinou o pagamento integral das verbas rescisórias, como férias, 13º salário, aviso prévio e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), entre outros direitos.
O modelo de contrato de trabalho intermitente, a legalização do bico, segundo a direção da CUT, é um do legado da reforma Trabalhista do ilegítimo Michel Temer (MDB), em 2017. O trabalhador intermitente é convocado a realizar a atividade profissional por um tempo determinado, de acordo com a conveniência do patrão, sem cumprir uma jornada fixa e, dependendo de quanto ganha e de quantas vezes for chamado, pode ganhar por mês menos de um salário mínimo (R$ 1.212). Confira abaixo o que é o trabalho intermitente e seus direitos.
Os casos ganhos pelos trabalhadores
As decisões dos juízes em favor dos trabalhadores ocorreram em diversos estados do país, de acordo com um levantamento do jornal Valor Econômico.
Em Santa Catarina, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-SC) considerou inválido o contrato de trabalho intermitente pactuado entre uma empresa de serviços terceirizados de Xanxerê (SC) e uma merendeira escolar. Ao longo de um ano e meio, de acordo com o processo, ela trabalhou durante todos os dias do período escolar na mesma unidade de ensino. A empresa foi obrigada a pagar R$ 6 mil à trabalhadora.
Outro caso ocorreu na Paraíba, onde um trabalhador contratado para o setor de carga e descarga de caminhões em uma grande empresa, por decisão da 1ª Turma do TRT-PB, teve seu contrato de trabalho intermitente convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado. Para a Justiça, a prova foi o pagamento de um salário mínimo mensal, sem referência a valores devidos a título de dias ou horas de trabalho.
No Amazonas um jardineiro que trabalhava em período integral teve seu contrato intermitente anulado pela 2ª Turma do TRT e convertido em contrato por tempo indeterminado ao ser constatado que ele que ele trabalhava diariamente. A empresa foi obrigada a pagar ao jardineiro todas as verbas rescisórias levando em consideração todo o período trabalhado e à disposição do empregador.
O coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret) do Ministério Público do Trabalho (MPT), procurador Tadeu Henrique Lopes da Cunha, avalia que a Justiça acertou em cancelar o contrato de trabalho intermitente nesses três exemplos.
“A interpretação que foi dada é correta, pois há um desvirtuamento da própria lógica do contrato de trabalho intermitente que é aquele em que há uma descontinuidade na prestação de serviço, quando se contrata, provavelmente, em períodos em que há uma demanda maior”, diz Lopes da Cunha.
Para o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT Nacional, Valeir Ertle, o contrato intermitente é uma aberração que precisa acabar, num próximo governo a ser eleito em outubro.
“É uma forma de tirar dinheiro do trabalhador e muitas vezes, sequer paga o salário mínimo. Tem gente que fica o dia numa sala aguardando ser chamado, só para levar alguns trocados para a casa”, diz o dirigente.
O secretário sugere aos trabalhadores que se sentirem prejudicados que procurem seus sindicatos e denunciem para que seus direitos sejam respeitados pelo patrão.
“A pessoa pode denunciar ao sindicato que tem o dever de ir pra cima, fiscalizar e fazer com que a empresa cumpra o que diz a legislação trabalhista. Não se pode aceitar de jeito nenhum esse tipo de fraude que é um abuso de maus empresários”, afirma.
O procurador do Trabalho do MPT também incentiva a denúncia. Segundo ele, no site do órgão há um canal de denúncias em que a pessoa coloca os dados da empresa, como o CNPJ e o máximo de informações possíveis.
“A denúncia pode ser feita de modo anônimo, sem qualquer referência ou de modo sigiloso em que a pessoa pede o sigilo do seu nome, que eu acho que é mais adequado por que o MPT pode apurar melhor a denúncia se tiver necessidade de mais esclarecimentos”, explica Lopes da Cunha.
O trabalho intermitente
O trabalhador tem os mesmos direitos que os demais trabalhadores de jornadas fixas, porém, proporcionais às horas que trabalha, ou seja, nos períodos em que é convocado pelo patrão.
Desde a reforma Trabalhista aprovada em 2017, um ano depois do golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, as empresas podem contratar por hora trabalhada e acionar o trabalhador apenas na hora em que precisar. Já foram contratados até junho 842,7 mil trabalhadores por meio esse meio do modelo intermitente, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Somente neste ano, foram criados 31.483 postos, resultado de 121.585 admissões e 90.102 desligamentos (dados de junho).
Veja quais são as regras e os direitos nesta foram de contratação:
1 – Carteira de trabalho: a contratação é feita por escrito e o registro deve constar em carteira de trabalho
2 – Valor da hora: uma das dúvidas que sempre surgem em relação à remuneração do intermitente é sobre a impossibilidade ser menor do que o salário mínimo. O advogado especialista em Direito do Trabalho, sócio do LBS Advogados, Fernando Hirsche explica que “sim, pode acontecer”.
“Sempre a proporcionalidade por hora trabalhada em relação ao salário mínimo deve respeitada. Se ele trabalhar menos que uma jornada normal, trabalhar apenas 10 horas, por exemplo, pode receber menos que o mínimo”, ele diz
Ou seja, a hora trabalhada não pode ter valor inferior ao valor de referência da hora do salário mínimo. Como exemplo, se a jornada da categoria for como a da maioria das categorias, de 220 horas mensais, o valor da hora, levando em consideração o salário mínimo atual, será de R$ 5,51.
O valor também não pode ser inferior ao pago para os demais funcionários que exercem a mesma função na empresa.
O pagamento não pode exceder o prazo de 30 dias a partir da convocação. Sobre o valor pago, já incidem as verbas proporcionais referentes a férias e 13° salário.
3 – Férias: por ser a mesma regra das contratações habituais, os períodos são de 30 dias, concedidos a cada 12 meses, que podem ser fracionadas em três períodos.
Neste caso, os trabalhadores não recebem adiantamento de férias e 1/3 de férias pois esses valores estão incluídos no pagamento feito ao final de cada convocação.
4 - 13° Salário: assim como no caso das férias, o abono de fim de ano é pago junto com a remuneração que o trabalhador recebe ao final da convocação
5 – FGTS: o recolhimento para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço é feito pela empresa, com base na remuneração paga ao trabalhador. Em caso de demissão sem justa causa o trabalhador tem o direito de sacar comente 80% do saldo depositado na conta do fundo.
6 – Seguro-desemprego: o trabalhador com contrato intermitente não tem direito ao benefício, mesmo quando é demitido sem justa causa.
7 – Contribuições ao INSS: as contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, portanto, as garantias previdenciárias do trabalhador com contrato intermitente de trabalho é outro item falho da legislação, muito criticado por especialistas e dirigentes sindicais que lutam pelos direitos da classe trabalhadora.
“Para pagar um mês de contribuição ao INSS, é preciso trabalhar dois ou três meses e isso torna quase impossível a aposentadoria para os intermitentes”, diz o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, que acrescenta: “Como disse Lula, é uma forma de escravidão”.
“Os salários menores representam menores contribuições e, com todas as dificuldades impostas pela reforma da Previdência [aprovada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), em 2019] para poder se aposentar, o trabalhador teria de conseguir trabalhar em mais de um emprego com contrato intermitente”, complementa a técnica do Dieese, Rosângela Vieira.
Relação empresa x trabalhador
1 – Prazo para convocação: é dever da empresa convocar o trabalhador respeitando a antecedência de 72 horas. Não pode ‘avisar de última hora’.
A partir da convocação o trabalhador tem até 24 horas para aceitar ou não. Se não responder a empresa entenderá como se o trabalhador tivesse recusado atender ao chamado.
A convocação, em geral, é feita por meios que permitam um registro do contato, como mensagem de texto ou áudio no WhatsApp, e-mail etc.
2 – Multas para trabalhador ou empresa: caso o trabalhador ou a empresa não cumpra as regras depois de acertar como fazer a convocação, há uma multa de 50% da remuneração prevista, que deverá ser paga no prazo de 30 dias. Se o trabalhador desobedecer as regras ele terá de pagar. Se for a empresa, é ela que pagará a multa.
Ou seja, no caso do trabalhador, se ele for chamado e aceitar o trabalho, mas por qualquer motivo não puder cumprir, terá de pagar metade do que receberia de remuneração.
No entanto, a lei prevê a possibilidade de compensação dessa multa também no prazo de 30 dias.
3 – Jornadas: as empresas devem manter períodos de inatividade entre uma convocação e outra. Caso o trabalhador atinja o limite de 44 horas semanais ou 220 mensais, conforme estabelece a CLT, ele passa a ser considerado trabalhador tradicional e não mais intermitente.
Não há um limite mínimo para convocações. O trabalhador, por exemplo, pode ser chamado para cumprir apenas uma hora em um mês ou até mesmo, nem ser convocado.
Formalidades
1 – Contratação
Os contratos de trabalho devem ter a identificação da empresa, do empregado, o valor combinado e a forma de pagamento, o prazo para pagamento, local e horários de trabalho (diurnos ou noturnos), as formas de contato para convocação e regras de como proceder em casos de desistência da convocação.
2 – Rescisão
A rescisão do contrato é automática quando há a inatividade por mais de 12 meses.
Pode ocorrer também por demissão com justa causa e rescisão indireta – quando o trabalhador decide romper o contrato por quebra de alguma regra do contrato.
Ou ainda a demissão sem justa causa. Neste caso a empresa terá de arcar com verbas rescisórias e aviso prévio calculados com base nos meses em houve atividade, efetivamente.
Baixa remuneração
Outro dado levantado e que mostra que era mentiroso um dos argumentos para legalizar o trabalho intermitente – o de que trabalhadores poderiam prestar serviços para vários patrões e, assim, até ganhar mais do que a média salarial nacional. Não é o que acontece. A média trabalhada em 2020 ficou em 12 horas por semana, enquanto a média nas contratações habituais, com jornada fixa foi de 40 horas.
Em termos de remuneração, a média de rendimentos desses trabalhadores, em 2020, foi de 601,08, cerca de metade de um salário mínimo, que naquele ano foi de R$ 1.045,00.
Os setores que mais se utilizaram dessa foram de contratação foram o de serviços (47%) e o comércio (22%).
Fonte: CUT Nacional