Fim do ciclo da Vale em Minas é inevitável
Em depoimento à Câmara dos Deputados, presidente da Vale disse que empresa não pretende sair de Minas
Após o crime da Vale em Brumadinho, algumas operações da mineradora no estado foram interrompidas. A empresa anunciou a desativação de dez barragens, quatro atividades em Nova Lima, três em Congonhas, uma em Sarzedo, uma em Ouro Preto, uma em Itabirito, além de Brumadinho. Com a medida, a Vale deixaria de produzir 40 milhões de toneladas de minério de ferro e pelotas em Minas Gerais.
Existe, segundo analistas, uma tendência a que a mineradora desloque sua produção do sistema Sul-Sudeste, que inclui Minas Gerais, para o sistema Norte, em Carajás e Amazônia. De acordo com Tádzio Coelho, pesquisador do Centro Ignácio Rangel de Estudos do Desenvolvimento, a causa é o envelhecimento das Minas e a queda na qualidade do material explorado. “O teor de pureza do minério de ferro vem caindo ao longo do tempo. Já estava ocorrendo essa mudança, mas ela é acelerada pelo rompimento da barragem”, afirma o pesquisador.
Em depoimento à Câmara dos Deputados, na quinta-feira (14), o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, negou essa possibilidade. “Nós não temos intenção de sair ou diminuir nossa atividade em Minas Gerais. Antes, pelo contrário, a atividade vai se modificando e o que estamos investindo é no sentido de introduzir práticas mais modernas, com o máximo de operações a seco”, declarou.
De fato, empresas como a Vale adquirem novas tecnologias, que permitem maior aproveitamento do material, inclusive com a extração de riqueza do próprio rejeito. “A barragem 1 passaria por um processo de recuperação de finos e ultrafinos. Mas, mesmo com esses avanços tecnológicos, ela não consegue compensar a queda do teor de pureza”, pondera o pesquisador.
Sabotagem de alternativas
A mineração causa impactos na água, na agricultura, no setor imobiliário. Governos criam infraestruturas para atender aos interesses da atividade. Cresce a pressão sobre serviços públicos como saúde, educação e estradas, sobrecarregadas pela logística de transporte das mineradoras. Ao mesmo tempo, a atividade gera arrecadação para prefeituras e empregos.
Tádzio Coelho explica que, embora esses ganhos sejam pequenos, se comparados a outros países, a mineração torna o município totalmente dependente. Outras atividades deixam de receber incentivos e se atrofiam. “Há uma sabotagem sistemática às alternativas econômicas para além da mineração. Uma alternativa de Brumadinho seria o turismo, por conta do museu do Inhotim. Mas isso é afetado diretamente. Morreram turistas, estradas e a energia elétrica foi afetada”, exemplifica.
Para além da mineração
Uma nota técnica do Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada (Nemea) apontou que a suspensão das atividades da Vale tem efeitos negativos no PIB, emprego, consumo, investimentos, exportações e arrecadação tributária. Segundo o Nemea, em até três anos, 15.414 postos de trabalho deixariam de ser gerados. De impostos indiretos (ICMS, IPI), o estado de Minas perderia R$ 575 milhões no curto prazo e R$ 856 milhões no longo prazo.
Com a desativação brusca de minas e barragens, municípios parecem ficar órfãos. Instala-se o medo entre prefeitos e moradores. Não se pode dizer, porém, que esse processo era imprevisível. “O capital mineral não pensa o fim ou a diminuição dessa dependência e tampouco o poder público tem políticas para criar alternativas concretas, que viabilizem a economia para a além da mineração. Isso é muito preocupante, pois o minério uma hora vai acabar e não dá duas safras”, critica Luiz Paulo Guimarães, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
Ele acrescenta que não existe nenhuma política nacional prevendo um plano de fechamento das Minas e a construção de alternativas econômicas. Como saída para esse impasse, o MAM defende, entre outras medidas, a disputa dos recursos de um dos poucos impostos pagos pelas mineradoras, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). “Hoje, não há nenhuma possibilidade de participação popular para definir onde serão investidos os recursos. Se depender da prefeitura, vai tudo para transportes, políticas variadas, que não visam à superação da dependência”, afirma Luiz Paulo.
Durante a votação do novo código da mineração, no governo Temer (MDB), o MAM chegou a propor a criação de comitês populares com poder institucional para decidir o destino do recurso, mas a proposta não passou. “Tem que construir um modelo de mineração sob controle do povo brasileiro, aliado a um projeto de desenvolvimento nacional, onde quem vai decidir as taxas e os ritmos da exploração, quais áreas vão ser exploradas e os territórios livres de mineração, vai ser a sociedade brasileira”, conclui.
Fonte: Brasil de Fato