É preciso combater o racismo estrutural para reduzir assassinatos de crianças e adolescentes no Brasil, diz especialista do Unicef
Um estudo divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) revelou que foram registradas mais de 15 mil mortes violentas de crianças e adolescentes nos últimos três anos no país. O levantamento, de 13 de agosto, considera dados de vítimas com até 19 anos.
O número, alto por si só, já é preocupante, mas choca ainda mais o perfil da maioria das crianças e adolescentes mortas, afirma Ana Carolina Fonseca, oficial de Proteção do Unicef.
"Esses dados sempre nos chocam, são números expressivos. O Brasil continua convivendo com números inaceitáveis de violência contra crianças e adolescentes. A gente está falando de uma média de 13 vítimas por dia no último ano [2023]. É importante observar que, das mais de 15 mil crianças e adolescentes que foram assassinadas, 90% são meninos e quase 83% são negros", detalha.
Fonseca explica que o recorte aponta para o racismo estrutural enfrentado por pessoas negras desde o nascimento.
"A raça é determinante desde o momento em que essa criança nasce. A gente precisa pautar e falar sobre isso e entender que essa morte, esse desfecho, é o final de um ciclo de exclusões. Temos um racismo que vai operando desde a exclusão do sistema educacional, do sistema de saúde, de outros sistemas de proteção, até chegar nesse desfecho", lamenta.
Se comparado com 2022, a quantidade de assassinatos de crianças e adolescentes caiu 7,6% em 2023: foram 4.993 mortes violentas no ano passado ante 5.354 do ano anterior.
Mas, enquanto a violência letal diminuiu, a sexual vem aumentando a cada ano, ressalta Fonseca. Entre 2021 e 2023, o Brasil registrou, ao todo, mais de 164 mil casos de estupro e estupro de vulnerável contra o público nessa faixa etária.
"87% dessas 164 mil vítimas, em três anos, são meninas. E é muito chocante a gente pensar que 35% ou 36% tinham até 9 anos de idade e a grande maioria tem menos de 14 anos", expõe a oficial de Proteção do Unicef.
"Temos o fator gênero, o fator racial e o fator etário também fazendo muita diferença. A gente quer confiar que está tendo mais notificação, mas sabemos que mesmo que as notificações aumentem, ainda é um universo desconhecido, uma violência ainda muito subnotificada", pressupõe ela.
A especialista elogia o Estatuto da Criança e do Adolescente e diz que o Brasil é um país pioneiro em relação às leis que as protegem. Porém, declara que, diante dos números divulgados pelo Unicef e FBSP, falta avançar mais.
"Falta fazer muito. A gente precisa, primeiro, desnaturalizar. Não é normal que uma criança ou adolescente seja vítima tanto da violência sexual quanto letal. A gente precisa olhar, entender, compreender essas mortes e essas violências sexuais e agir. Precisamos enfrentar o racismo estrutural."
"Quando a gente fala de violência sexual, é preciso que todo profissional, dos diferentes serviços, esteja preparado para identificar as violências e saber como acolher essa criança e esse adolescente e fazer a comunicação desse caso para a rede de proteção", defende.
"É fundamental a gente ter serviços que protejam, que identifiquem essas violências. E outro ponto passa por garantir à criança e ao adolescente o direito a conhecer seus direitos e a saber quando está sendo vítima de uma violência e onde e como buscar ajuda."
A entrevista completa, feita pela apresentadora Luana Ibelli, está disponível na edição desta quarta-feira (21) do Central do Brasil, no canal do Brasil de Fato no YouTube.
Fonte: Brasil de Fato