Duração de licença-paternidade reforça desigualdade na criação dos filhos

A imagem de um pai participativo ainda causa estranhamento na sociedade brasileira. Homens que cuidam da casa, dos filhos e dos interesses particulares chegam, muitas vezes, a ganhar espaço na mídia como exemplos por desenvolver tarefas que, em geral, fazem parte da rotina das mulheres. O desempenho desses papeis faz parte da cultura e está, inclusive, nas leis. Uma das regras que expressam essa diferença é a licença-paternidade. Enquanto as mães com carteira assinada têm entre quatro e seis meses garantidos para se dedicar à criação dos filhos, a maior parte dos pais na mesma situação de emprego conta com apenas cinco dias.

“Já é um recado de que quem tem que cuidar é a mãe. Isso faz com que a maioria das famílias já se configure a partir disso e não questione essa desigualdade, inclusive porque, muitas vezes, elas não têm capacidade, até financeira, de fazer diferente”, diz Roger Pires, jornalista, realizador audiovisual e pai de Lourenço, de 1 ano. Participante do Movimento Paterno, grupo que reúne pais em Fortaleza, ele lançou, neste Dia dos Pais, o curta 5 dias é pouco, feito para reivindicar o aumento da licença-paternidade no Brasil. O grupo considera que o tempo maior de afastamento do trabalho é um direito do pai, dos bebês e das mães.

De acordo com a Constituição Federal, o prazo da licença-paternidade é de cinco dias. Antes da aprovação da Carta Magna, valia o disposto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que desde 1967 inclui no rol dos direitos trabalhistas a possibilidade de o empregado não comparecer ao trabalho, sem prejuízo do salário, por um dia, em caso de nascimento de filho.

A defesa da divisão igualitária da tarefa de cuidar de uma criança levou a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM) a propor o compartilhamento da licença-maternidade entre pai e mãe, com a divisão dos dias de afastamento. A proposta de emenda à Constituição (PEC) 16/2017 altera o Artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais e Transitórias da Constituição Federal para incluir a possibilidade de a licença ser exercida em “dias correspondentes aos da licença-maternidade, quando a fruição desta licença poderá ser exercida em conjunto pela mãe e pelo pai, em períodos alternados, na forma por eles decidida”. Um dos argumentos para a mudança é a maior participação das mães no mercado de trabalho hoje.

A PEC foi remetida à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado e, desde abril, aguarda a designação de um relator. A proposta busca refletir mudanças no mundo do trabalho, destacadamente a maior participação das mulheres no mercado, e tem como base a experiência de diversos países. Segundo os argumentos da PEC, o compartilhamento da licença é adotada, por exemplo, na Noruega, na Suécia, na Finlândia e na Espanha.

Servidores públicos
A luta pela ampliação da licença-paternidade tem causado alterações normativas. Desde maio de 2016, servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais passaram a contar com mais 15 dias de licença, além dos cinco assegurados pela Constituição Federal. A regra vale, inclusive, para quem adotar ou obtiver guarda judicial de criança de 0 a 12 anos incompletos.

Com a mudança em nível federal e a mobilização de pais e mães, diversos estados têm ampliado a discussão sobre esse direito. No Distrito Federal, o governo estabeleceu o Programa de Prorrogação da Licença-Paternidade também no ano passado, estabelecendo que os servidores públicos têm direito a 30 dias de licença-paternidade.

No Rio de Janeiro, uma emenda constitucional aprovada pelo Legislativo em 2015 ampliou o afastamento de pais servidores do estado para o prazo de 30 dias. O mesmo período foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Ceará, para o caso de servidores civis e militares, na forma de indicação. Para virar lei, é preciso que o governo estadual elabore e os deputados aprovem projeto de lei acatando a indicação. Já em Minas Gerais, funcionários do Legislativo têm até 15 dias de licença. Em Mato Grosso do Sul, servidores do Tribunal de Justiça têm 20 dias.

Iniciativa privada
Com a aprovação do Marco Legal da Primeira Infância, em marco de 2016, foi alterada a lei que criou o Programa Empresa Cidadã, inicialmente voltado para estimular a adoção de licença-maternidade de seis meses por parte da iniciativa privada. Com o marco, trabalhadores de empresas que façam adesão ao programa passaram a ter 20 dias de licença, a exemplo do que ocorre com os servidores. Em troca, a companhia tem isenção de impostos.

Para usufruir desse direitos, os pais devem requerer a ampliação em até dois dias úteis após o parto e comprovar participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável. Essa participação foi objeto de nota técnica do Ministério da Saúde, lançada no início deste mês. Nela, o órgão sugere que a realização do pré-natal do parceiro, a participação nas atividades educativas durante o pré-natal e/ou visitas à maternidade sejam consideradas atividades de orientação sobre paternidade. Do mesmo modo, a comprovação poderá ocorrer por meio da participação no curso online Pai presente: cuidado e compromisso, que é gratuito.

“Exercer o direito à licença-paternidade e apoiar a parceira são muito importantes para o sucesso do aleitamento materno, para compartilhar entre o casal os prazeres e os afazeres relacionados à chegada do bebê e para gerar vínculos afetivos saudáveis e maior qualidade de vida para todos. A participação do pai no pré-natal e nos cuidados com a criança após o nascimento também pode contribuir para diminuir a violência na família e o abandono do lar”, destaca a nota.

Tanto no caso dos servidores quanto das pessoas que trabalham na iniciativa privada, os pais têm o direito de receber remuneração integral, ao longo da licença. Eles ficam proibidos de exercer atividade remunerada. O desafio, agora, é ampliar o conhecimento sobre esse direito e a adesão das empresas ao programa.

Profissionais autônomos
A experiência de criação de Lourenço, ao lado da companheira, a assistente social Samya Magalhães, e a participação no grupo Movimento Paterno mostrou para Roger que mesmo os 30 dias são poucos para uma divisão efetiva da tarefa do cuidado, para a adaptação à nova vida e mesmo para o acompanhamento de uma fase muito delicada, o puerpério, quando o corpo da mulher passa por intensas transformações. “Trinta dias não cobrem sequer o resguardo”, afirma.

Como autônomo, o rendimento depende da produção, por isso foi preciso adaptar a rotina de trabalho do Coletivo Nigéria, do qual participa. Enquanto os outros integrantes do grupo se dedicavam às atividades externas, ele se dedicou à elaboração de projetos e outras tarefas que podiam ser feitas de casa, muitas vezes na madrugada.

“A licença-paternidade é para quem tem Carteira de Trabalho. Para muito pai autônomo é pior ainda, porque a pessoa deixa de trabalhar e de ganhar. Seria legal uma renda mensal, básica, para que essa pessoa pudesse deixar de trabalhar mesmo”, defende. Para ele, “se a sociedade tivesse o cuidado de esperar um pouco o primeiro ano, os primeiros meses, a gente teria pais e mães apoiados, bebês mais cuidados, com mais saúde, e isso iria se refletir em toda a sociedade”.

Fonte: Helena Martins - Agência Brasil

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