Caravana exalta papel da agroecologia familiar na saúde e no desenvolvimento
A ex-presidenta da República Dilma Rousseff ouvia atenta as explicações de João Batista de Campos Menezes. Aos 29 anos, o doutorando em Agronomia presta assistência técnica à comunidade rural da região do Pentáurea, em Montes Claros, na produção hortaliças e frutas 100% orgânicas. “É genial essa história do cotonete, presta atenção", diz Dilma para a reportagem. "Veda a ponta dele com fogo e faz um corte. Aí ele deixa passar pouca água, mas essa água que passa, espalha. Aí molha bem melhor”, ensina João Batista, sob os pés de chuchu. “Não é sensacional?”, reage ela.
Eleita com mais de 54 milhões de votos e retirada do governo por um golpe parlamentar, Dilma – citada como favorita no estado em pesquisas sobre disputa para o Senado em 2018 – é uma das integrantes da Caravana Lula por Minas Gerais, que desde 23 de outubro percorre o norte do estado. Neste sábado (28), a primeira parada do dia foi para conhecer os projetos de irrigação da Associação dos Produtores de Hortifrutigranjeiros da Região do Pentáurea (Aspropen).
Outras “estrelas” se somaram à jornada, chamando a atenção do povo e aumentando o interesse pelas inevitáveis selfies por onde passa a caravana. O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, os senadores Gleisi Hoffman e Lindbergh Farias, os deputados federais Patrus Ananias e Benedita da Silva, os ex-ministros Luiz Dulci e Eleonora Menicucci, o governador Fernando Pimentel, o escritor Fernando Morais, entre outros.
Cumprimentada pela recente vitória na Justiça contra o “ator” Alexandre Frota, Eleonora não queria falar do assunto. “Não, hoje nós vamos falar da caravana. A vitória foi na semana passada, para todas as mulheres, condenando a cultura do estupro. Hoje estamos nessa caravana, pisando onde o povo vive, pisa e trabalha. Enquanto os outros da direita, os golpistas, não sabem nem o que é isso. É fundamental, é só ver o que o Lula chama para ele.”
E o lugar onde o povo vive, pisa e trabalha, nesse caso, é responsável por praticamente toda a produção de hortaliças e frutas que abastece a população de Montes Claros. “Está tudo bem seco e a gente está aguardando a chuva, que se Deus quiser está bem próxima. São toneladas de hortaliças que saem dessa região todo mês. Com a falta d’água, a gente está tendo muita dificuldade. Mesmo assim, o agricultor tenta uma tecnologia para consumir menos água”, dizia João Batista, relatando o sistema de gotejamento utilizado pelos lavradores. “É uma tecnologia que, por meio de um emissor de água, fica pingando direto sobre a planta.”
Comida na mesa
A Aspropen existe há 19 anos. Reúne uma cente na de produtores familiares e deu um salta a partir de 2013 quando ganhou o direito de fornecer uma infinidade de alimentos para a prefeitura de Montes Claros. Desde a criação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), 30% da merenda escolar precisa ser destinada pela agricultura familiar. As associações do setor estimam que já fornecem metade da merenda em todo o país.
O processo de gotejamento, segundo o vice-presidente da associação, Gilmar Pereira Silva, ajudou muito a produção. “A água nós estamos racionando mesmo. É cada vez mais escassa. Esse tipo de irrigação, bem moderno, é próprio para controlar a molhação pra gente não ficar pra trás. E isso foi do governo Lula pra cá. Demos uma arrancada: saímos de 50% de produção, para 80%, 90%, 100%. A gente não tem muita água na região, mas produzimos bastante.”
Ele lamenta o uso que agora fazem, dos poços artesianos, mas diz que não houve saída diante da seca. “É uma pena, mas a solução foi essa. Nossas nascentes de toda a região estão todas secas. E essas propriedades acomodam muitas famílias trabalhando. Se a gente parar a produção, vai ser muito complicado.”
São produtos de todos os tipos, tomates, pimentão, chuchu, maracujá, e até morangos, que não são comuns na região, mas que “produz que é uma beleza”. A frutinha foi extremamente elogiada por quem teve a oportunidade de experimentar: produção orgânica, ou seja, sem o uso de agrotóxicos, era uma surpresa para os que nunca tinham experimentado o sabor de um morango sem veneno. “A gente não tem cultura de usar veneno e ainda dá para sair por um preço bom. O que ajuda são os programas como o PNAE e o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). Do governo Lula pra cá a gente teve mais conhecimento de tudo isso.”
Gilmar comenta os riscos a todos esses programas no atual governo. Apesar de preocupado, aposta: “Ganhou uma força muito grande, acho que vai dar pra manter”. O tesoureiro da Aspropen, Edmilson Aparecido de Sá, diz que já vê alguns problemas. “O governo Lula pra nós foi excelente. Tudo que a gente conseguiu, primeiramente deus, depois ele. Só que agora, depois desse que pra mim foi um golpe, começou a travar os bancos, a gente não está tendo tanto acesso. Começou a complicar.”
Dinamite
Ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no governo Lula, e do Desenvolvimento Agrário, com Dilma, o mineiro da vizinha Bocaiúva Patrus Ananias caminhava pela comunidade rural que considera uma esplêndida experiência de agricultura familiar. “Ela é importante sob a perspectiva da agroecologia, produção de alimentos saudáveis, não contaminados, que efetivamente promovam a saúde e a vida das pessoas, a dimensão do cooperativismo. Nós tivemos avanços notáveis nessa área.”
O petista, que participou da implantação de programas como o Bolsa Família e as políticas do Fome Zero no governo Lula, com Dilma conta ter recolocado na pauta o tema da reforma agrária, da função social da terra, vinculada à questão das águas e ao desenvolvimento da agricultura familiar. Está feliz por ver o trabalho da associação, mas lamenta o desmonte promovido pelo “governo golpista”. “É uma região seca, com características muito próximas do Semiárido Nordestino. Implantamos lá e aqui, no Norte de Minas, 1 milhão e 400 mil cisternas. Esse programa parou. Os recursos do Pronaf, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar; o PAA, Programa de Aquisição de Alimentos, estão sendo dinamitados, destruídos.”
“Daí a importância dessa caravana, e outras que faremos, para mostrar ao Brasil a necessidade de retomar o caminho do desenvolvimento econômico, mas vinculado ao desenvolvimento social, ambiental, às politicas públicas que promovam as pessoas, as famílias e as comunidades que mais precisam”, defende Patrus, que hoje é deputado federal (PT-MG).
Para a ex-presidenta Dilma Rousseff, é um movimento que busca criar os mecanismos para que se possa recompor mais adiante o que está sendo destruído pelo golpe. “O impacto do golpe na agricultura familiar é muito profundo, porque os pilares da expansão no nosso período, que fez a atividade passar de 65% para 76% do fornecimento de alimentos na mesa do trabalhador estava baseado num tripé. Crédito para custeio, crédito para investimento e compra direta do produtor pelo Estado brasileiro. Esses pilares estão sendo destruídos pelos golpistas”, diz Dilma. “Pra você ter uma ideia, saímos de um nível de R$ 2,5 bilhões, no início do governo Lula, e fomos até R$ 30 bilhões, no auge da expansão da agricultura familiar, no meu mandato. O orçamento de 2018 prevê R$ 1,5 bilhão. Além disso, acabaram com a compra direta de alimentos, e também tiveram atitude contrária à expansão da assistência técnica”, lamenta.
Segundo ela, os governos anteriores tinham compromisso de estimular a agricultura familiar a se organizar em cooperativismo, “porque quanto mais organizado estiver o produtor, mais difícil de combatê-lo com métodos destrutivos de mercado”, e a desenvolver agroindústria. “A mulher agricultora é a grande agroindustrializadora deste país.”
A ex-presidente observa que a agroecologia é um nicho promissor de mercado, que pode inclusive ser exportador. “O arroz orgânico do MST, Terra Livre, é padrão exportação. Se uma grande rede de supermercados não quer comprar porque tem preconceito contra o MST, pode ter certeza que eles terão mercado internacional extremamente expressivo. Arroz orgânico encontra mercado em qualquer lugar do mundo”, afirma. “Estão destruindo tudo isso, mas nós vamos recompor. Quando chegar 2018, vamos recompor.”
Fonte: Cláudia Motta, especial para a Rede Brasil Atual