Desemprego entre chefes de família causa crises familiares e separações

EBC
Desemprego entre chefes de família causa crises familiares e separações

"Situação de desesperança dos desempregados, subocupados ou desalentados é preocupante", diz psicanalista, que explica como lidar com o drama que afeta milhares de trabalhadores

O aumento do desemprego entre chefes de família, em especial os provedores que pagam as contas e sempre decidiram tudo sozinhos, pode provocar depressão, muito sofrimento e, em alguns casos, crises familiares que terminam em separações.

Em julho, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de desempregados chefes de famílias, homens e mulheres, atingiu 22,7% dos trabalhadores e trabalhadoras com idades entre 40 e 59.

No total, 27,6 milhões de brasileiros sofriam com a falta de postos de trabalho no país (12,9 milhões estavam desempregados); 6,6 milhões subocupados, pessoas que trabalham menos de 40 horas por semana, mas gostariam de trabalhar mais; 8,1 milhões poderiam trabalhar, mas não trabalham (força de trabalho potencial). Este grupo inclui os 4,8 milhões de desalentados (que desistiram de procurar emprego) e outras 3,3 milhões de pessoas que podem trabalhar, mas que não têm disponibilidade por algum motivo, como mulheres que deixam o emprego para cuidar os filhos.

A situação de desesperança dos desempregados, subocupados ou desalentados é preocupante, disse em entrevista à CUT, o psicanalista e professor da USP, Christian Dunker, que elaborou uma série de dicas de como lidar com o desemprego, ao constatar o drama dos trabalhadores em seu consultório. "Me espanta que se fale tão pouco sobre como a perda do emprego acaba em dissolução de casais, pois pega muita gente desprevenida."

Para o professor, “é importante o período de luto, ficar triste, ficar com raiva e dividir com outros sua tristeza. É o mesmo que ir a um velório, a gente enterra, se despede da pessoa. Com o desemprego é o mesmo e as pessoas acabam pulando esse momento”.

Drama pessoal

Não é difícil encontrar chefes de família separados de suas mulheres e familiares, enfrentando ações na Justiça porque não conseguem mais pagar a pensão para os filhos. E todo dia lá estão eles nos postos de intermediação de mão de obra, na busca desesperada por uma nova oportunidade no mercado de trabalho.

Este é o caso do baiano de Salvador, Ivan Freitas, 53 anos, que está há pouco mais de um mês na capital paulista à procura de emprego de vigilante. Separado, Ivan mora de favor na casa de amigos e sua situação econômica só não é pior porque a filha de 16 anos está sob os cuidados de familiares, e por isso não está pagando pensão. "Meu sonho é conseguir um trabalho para poder alugar uma casa, prosseguir com minha vida. Mas tem dias que bate um desespero que olho pro céu e só rezo pra continuar andando”, diz.

Ivan, como muitos, reclama da dificuldade em conseguir uma vaga de trabalho, que muitas vezes lhe é negada por causa da idade. "No Brasil, se você tem de 18 a 25 anos é muito novo para trabalhar, se tem mais de 35 é novo para se aposentar e velho para trabalhar”, critica.

Situação semelhante passa o porteiro aposentado Victor Benedito de Andrade, de 57 anos. Vivendo somente de bicos, ele diz que precisa trabalhar com urgência porque uma filha de 20 anos o processou para receber a pensão que deixou de pagar. "Paguei pensão direitinho durante 18 anos, mas ela me cobra mais de mil reais por mês e minha aposentadoria é de R$ 1.600 e o aluguel é R$ 800. Estou sobrevivendo com a ajuda de outros filhos”, lamenta.

Já o eletricista William de Castro, de 49 anos, está há cinco anos sem registro em carteira de trabalho. Também separado com filhos de 18 e quatro anos, diz estar sem esperança, principalmente depois da reforma Trabalhista que, segundo ele, complicou ainda mais a vida do trabalhador, que só tem perdas e nenhuma vantagem. "Viver de bicos é como jogar uma gota de água num prato quente de areia, ela se evapora. Eu estou deixando de comer para pagar aluguel“, conta desolado o eletricista.

Como lidar com o desemprego

Histórias semelhantes levaram o psicanalista Christan Dunker a pensar em maneiras de ajudar os chefes de família a lidar com o desemprego, mantendo a saúde mental e a unidade familiar. Segundo ele, “é importante o período de luto, ficar triste, ficar com raiva e dividir com outros sua tristeza”. “É o mesmo que ir a um velório, a gente enterra, se despede da pessoa”, completa.

Depois, é preciso fazer contas, elaborar um planejamento financeiro metódico com calma e não na primeira semana de desemprego, respondendo a perguntas como quais são os custos para se manter, por quanto tempo pode-se gastar dinheiro, quanto pode investir num curso e em processos de recolocação profissional? É importante também levantar quanto vale o carro, a casa, quais as dívidas a pagar para o caso do período de desemprego se prolongar e a pessoa precisar se desfazer de algum bem.

O psicanalista conta que vê em seu consultório desempregados que “não querem olhar para o dinheiro, fazer contas, saber quais são seus custos. É preciso fazer isso de cabeça fria e não de forma reativa, com medo de morrer de fome, ficar com raiva não resolve”, alerta Dunker.

Outra atitude a ser tomada de forma metódica e pensada, segundo o psicanalista, é voltar a estudar, se reciclar. “A vida no trabalho tira a relação com o estudo, com novas e antigas relações pessoais. É preciso planejar e investir. Não é entrar no primeiro curso que ver, é reconexão social”, avalia.

E por fim, é preciso ampliar a rede social. Não ter vergonha de estar desempregado, contar para as pessoas que está sem trabalho. “É preciso entrar na internet, abrir o seu Linkedin, ver o que os outros fazem nas redes sociais. Redescobrir antigos amigos, pessoas significativas da sua vida”, aconselha o professor da USP.

Desemprego causa depressão e crises familiares
O psicanalista Christan Dunker explica que, historicamente, o que se espera de um pai de família é que ele seja o provedor, traga mais dinheiro do que a esposa, mesmo que ela trabalhe. Com o desemprego, o pai de família se sente desvalorizado, começa a se achar menos viril e, isso é corroborado pela mulher, que não o vê mais como o provedor da casa.

“O desemprego tem muitas vezes o efeito de destruir e rebaixar a possibilidade de se desejar esse homem, que se torna aos olhos da mulher, menos admirado e desejável. Assim, se corrompe essa função que foi construída historicamente pelo patriarcado”, explica o professor da USP.

Para evitar a dissolução de casamentos e da vida social, o psicanalista aconselha que o homem se mostre ainda mais engajado nas coisas que está fazendo, como estudar ainda mais, demonstrar que está buscando uma renda suplementar e batalhando muito para conseguir um novo emprego.

“Ele precisa se apresentar como um homem ‘desejante’ e não apenas como aquele que foi desprezado e recusado pelo patrão. Infelizmente, acontece o oposto, pois com forte pressão o homem se sente ainda mais frágil”, diz o psicanalista. “É preciso se reinventar como casal”.

“Às vezes o desemprego destrói o casal ou constrói uma relação muito melhor. Depende da humildade, de se renunciar àquela forma de vida,” diz Dunker.

De acordo com o psicanalista, o desemprego afeta mais as relações familiares em que o homem sempre decidiu e pagou tudo sozinho e, quando ele perde o emprego, sua autoridade desmorona. “Uma relação construída a partir de quem tem o dinheiro tem a autoridade será perdida, e para muitos homens é insuportável. Ele não consegue ser homem nessa situação. A coisa mais importante é aprender não no sentido da humilhação e do sofrimento, isso só emburrece a gente”, analisa.

O sentimento de derrota do pai de família ainda piora quando ele tem filhos adolescentes. “Os momentos mais críticos são no início da puberdade, em que os filhos confrontam os pais ‘ você não sabe tudo’, e o filho descobre que o pai não é mais o super herói”.

Golpe de 2016 aumentou crises familiares

Segundo o psicanalista Christian Dunker, no início da crise econômica, logo após o golpe de 2016, as relações familiares, especialmente da classe média, não foram muito afetadas. Mas, depois de algum tempo com as pessoas indo de um emprego a outro, de forma precarizada e, agora, desempregadas, os relacionamentos familiares têm se deteriorado.

“Muitos dos meus pacientes mudaram de casa, e agora não têm como pagar o cartão de crédito, o colégio das crianças. A crise chegou para a classe média e a classe média alta”, conta o psicanalista.

Fonte: CUT Nacional

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