Aumento de casos de doença mental no país é culpa de pandemia e do governo

UOL
Aumento de casos de doença mental no país é culpa de pandemia e do governo

Afirmação é de especialistas que apontam ainda piora nas condições de trabalho, desemprego e queda de renda como fatores que contribuem para a infelicidade dos brasileiros

Que as coisas não estão caminhando bem no Brasil, é óbvio. Basta dar uma olhada nos números do desemprego, da inflação, da fome e, principalmente, de casos e mortes em decorrência de complicações da Covid-19 no Brasil, que já somam mais de 500 mil mortos.

O que não está tão claro para a maioria é que, além da mudança de perspectiva de realidade imposta pela pandemia, esses são fatores que impactam diretamente na vida e na saúde das pessoas. Enfrentar todos esses problemas sem respaldo e amparo do Estado - sem que o governo sinalize ou tenha políticas que apontem um futuro melhor - é uma luta que tem contribuído para o aumento de casos de adoecimento mental no Brasil, segundo especialistas.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, mais de 264 milhões de pessoas sofrem de depressão em todo o mundo. Uma a cada 13 pessoas manifesta sintomas de ansiedade. No Brasil, com a pandemia, aumentou o número de pessoas que procuram ajuda para poder manter um mínimo de equilíbrio emocional.

O estudo One Year of Covid-19, realizado pelo instituto Ipsos, apontou que 53% das pessoas entrevistadas no Brasil acreditam que sua saúde mental mudou para pior desde o início da crise de Covid-19.

As consequências do adoecimento mental cruzam as fronteiras do psíquico. ‘Mente sã em corpo são’ tem se tornado uma condição cada vez mais difícil para a maioria dos brasileiros e brasileiras manter, dadas as condições atuais. E se a mente está perturbada, o corpo responde. As doenças físicas causadas pelos stress podem ser de dores de cabeça e problemas digestivos passando por distúrbios intestinais, dermatites (doenças de pele) e até problemas cardíacos.

O psicanalista, professor titular em Psicanálise e Psicopatologia do Instituto de Psicologia da USP, Christian Dunker explica que, de fato, a pandemia é um fator de risco generalizado para doenças mentais e orgânicas. “Do ponto de vista de transtornos mentais, podemos atribuir o risco aos efeitos da solidão, da privação do contato social, das relações com outras pessoas – que são benéficas e protegem a vida psíquica –, e outros motivos como a redução de renda, a falência, o desemprego e o aumento da violência”, pontua.

Esses fatores, segundo o psicanalista, acirram os transtornos mentais e, aliados aos efeitos do sedentarismo, do aumento do consumo de substâncias como o álcool e a falta de cuidados com a própria saúde contribuem para o adoecimento físico.

A psicóloga Fernanda Lou Sans Magano, presidenta do Sindicato dos Psicólogos de São Paulo (SinPsi-SP) concorda com a avaliação e complementa: “Fatores como o isolamento social, o teletrabalho ou mesmo a condição de ter que enfrentar o risco de contaminação no trabalho presencial, são situações que também contribuem para o adoecimento mental”.

No entanto, ela afirma que a pandemia apenas escancarou uma situação que já vinha se arrastando há tempos, em especial depois do golpe de 2016, que destituiu a presidenta Dilma Rousseff e trouxe uma série de mudanças na vida das pessoas.

Ela cita o aprofundamento da crise econômica, a retirada sistemática de direitos, a destruição de políticas sociais, o racismo e, mais recentemente, as ‘mazelas do desgoverno de Jair Bolsonaro (ex-PSL) na saúde e no enfrentamento à pandemia.

Também explica que os efeitos da pandemia se manifestam pela ‘alienação’ da realidade, ou seja, para eliminar o sofrimento mental, o indivíduo acaba naturalizando, por exemplo, o número de morte.

“Enquanto uns têm o quadro agravado, chegando ao surto, outros criam uma couraça, um mecanismo de proteção para negar a realidade, para não sucumbir, não adoecer”, relata Fernanda Magano.

Por isso, ela diz, mais do que nunca, neste momento, há a “necessidade de se buscar estratégias coletivas para enfrentar esses problemas, priorizando o suporte à dignidade humana”.

Novo normal?

Christian Dunker defende que o adoecimento mental faz parte da lógica capitalista.

Isso significa, explica o psicanalista, que o sistema capitalista induz as pessoas ao sofrimento buscando aumentar a produtividade e, por consequência, os lucros. “Não é à toa que a depressão tem aumentado exponencialmente desde os anos 1970. A depressão é o neoliberalismo individualizado, a cultura da culpa, da produção a qualquer preço”, explica Dunker.

Assim como Fernanda Magano, o psicanalista atesta que essa prática já estava em curso desde antes da pandemia. E ele alerta que, no Brasil, o ‘sofrimento’ aumentou porque as condições de trabalho se deterioram e as condições de exploração foram institucionalizadas a ponto de não percebemos mais essa situação.

Para todo mal, a cura
Para evitar o stress e suas consequências físicas, Christian Dunker afirma que não há uma fórmula padrão. Cada caso tem uma abordagem, um método de ‘segurar o próprio rojão’.

“Tem gente que se dá bem com intervalos no trabalho, com meditação, já outros não. Portanto, devemos abandonar a ideia de que saúde mental implica em um procedimento igualmente eficaz a todos”, ele diz.

“Em vez disso, devemos adotar o conceito de que saúde mental é dever de todos e passa pela escuta de si, pela produção de experiências de prazer, por uma reflexão sobre como você se reconhece, lutando para transformar seu sofrimento”, explica o psicanalista.

Ele diz ainda que devemos ter cuidados com nossas redes de afetos e sentimentos sociais, ou seja, os relacionamentos, sejam pessoais ou profissionais, além de cuidados com o nosso sono, alimentação e sexualidade.

“A saúde mental começa antes de termos os transtornos, começa percebendo o nível e o tipo de sofrimento que você está se permitindo até mesmo em nome de um aumento de produtividade ou outras razões que você cria para se justificar, mas não mudam o fato de que você está cruzando barreiras. Seu corpo sem avisa sobre isso”, ele diz.

Significa que muitas vezes a pessoa cria justificativas para o sofrimento, como ele cita – o aumento da produtividade, dentro de um contexto capitalista.

Fernanda Magano afirma ainda que é difícil saber a hora em que precisamos de ajuda, mas há sinais que vêm pela desatenção, pelo sentimento de incapacidade de ter um autocuidado, até mesmo na higiene ou na dificuldade em acordar nos horários pré-estabelecidos e até nos conflitos presentes em relações interpessoais.

“Se começo a ter muitos confrontos nas minhas relações, isso aponta a necessidade de busca de ajuda”, finaliza Fernanda.

Fique atento à sua saúde
O stress não acontece de um dia para outro. E o corpo “avisa” quando há algo fora de equilíbrio. Os principais sinais são:

Sensação de desgaste constante
Alteração de sono
Tensão muscular
Formigamento
Problemas de pele
Hipertensão
Mudança de apetite
Alterações de humor
Perda de interesse pelas coisas
Problemas de atenção, concentração e memória
Ansiedade

Já as consequências físicas que podem ser causadas por doenças mentais são:

Dor e queimação no estômago, náuseas e vômitos
Diarreia
Falta de ar e/ou dor torácica
Dores musculares
Aumento da pressão arterial
Taquicardia
Dores de cabeça
Alterações na visão
Coceira, ardência ou formigamento e lesões na pele
Queda excessiva de cabelo
Insônia
Dor ou dificuldade para urinar
Mudanças na libido e no ciclo menstrual

As doenças mais comuns são que podem surgir são:

Enxaqueca
Síndrome do Intestino Irritado
Alergias alimentares, respiratórias e de pele
Gastrite
Impotência sexual
Problemas gástricos, renais, hepáticos e cardíacos

Causa e efeito
Recente estudo feito por Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), publicado pelo O Globo, fez um recorte da condição emocional dos brasileiros no que se refere ao desemprego, que já atinge cerca de 15 milhões de pessoas e à inflação, dois dos principais problemas enfrentados no país, em especial, pelos mais pobres.

O índice, que podemos chamar de felicidade, do brasileiro caiu e está em 19,83%, atrás apenas da Turquia (26,27%).

Não é à toa que 47% dos jovens brasileiros – são 50 milhões com idade entre 15 e 29 anos – pensam em deixar o país. Os dados levantados pela FGV Social demonstram que essa parcela da população está sem esperanças de conseguir trabalho e, consequentemente, ter uma carreira, um futuro, por causa do cenário econômico, social e político Brasil

Fonte: CUT Nacional

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