Gestão do Estado conduz a maioria da população para a quase servidão
A economia nacional encontra-se diante de ciclo profundamente vicioso instalado a partir de 2015, com a mais grave crise do capitalismo brasileiro. Quatro anos depois, o Produto Interno Bruto (PIB) segue 5,1% inferior, sendo os investimentos menores em 23,4% e o consumo das famílias em 5,3%.
A reorientação imposta ao papel do Estado ajuda a entender a perversidade e a longevidade do ciclo vicioso na economia nacional. Isso porque um dos principais responsáveis pela acentuada baixa na Formação Bruta de Capital Fixo foi a brutal redução em 42,5% das despesas do governo federal com investimentos públicos, uma vez que a diminuição nas despesas de consumo na administração pública foi de 2%.
Assim, a economia persiste sem fontes de dinamismo, distante, portanto, de qualquer horizonte possível de recuperação no nível geral de atividades. Dos três grandes setores do sistema produtivo, somente o agropecuário fechou o ano de 2018 com nível de atividade 6,6% superior ao de 2014, enquanto o secundário situou-se 9,9% menor e o terciário em 3,6%.
A relação comercial com o exterior se mostrou positiva, embora a força das exportações tenha sido compensada pela queda nas importações. Entre os anos de 2014 e 2018, por exemplo, as importações decaíram 11,8% para a elevação de 15,5% nas exportações.
A situação geral desfavorável da economia nacional tem sido acompanhada por significativa regressão na estrutura produtiva nacional. Simultaneamente à sequência na queda relativa da presença da indústria na produção nacional, seguiu o processo de terciarização da produção estimulado intensamente pela força do inchamento nas atividades de serviços provocado por inúmeras estratégias de sobrevivência populacional que se reproduzem nas condições gerais de reprodução da pobreza.
Com isso, o país passou a substituir setores econômicos de maior expansão na produtividade pelos de rebaixados ganhos de produtividade. Considerando ainda a importante heterogeneidade instalada no interior do sistema produtivo, percebe-se o persistente aprofundamento nas diferenças de produtividade entre as firmas de excelência e as de contida produtividade, sobretudo no mesmo setor econômico.
Por consequência, evolui a troca regressiva dos melhores postos de trabalho, com mais alta remuneração por ocupações cada vez mais precarizadas. E, com isso, o rebaixamento das condições de vida e trabalho dos brasileiros.
Ademais da massificação do desemprego, a contaminação crescente da subutilização da força de trabalho numa economia estagnada. O resultado disso tem sido a ampliação no grau de polarização no interior do mercado de trabalho, com a queda acentuada dos postos de classe média assalariada e a difusão das ocupações precárias na base da pirâmide social.
Em paralelo, o avanço das posições de alta e média renda não assalariadas associada à proliferação de ocupações por conta própria, autônoma e consultores. Todas cada vez mais distantes do sistema de proteção social e trabalhista, bem como contribuintes do sistema público de aposentadoria e pensão.
A tendência da especialização produtiva segue cada vez mais forte. Dessa forma, a concentração na produção e exportação de bens primários (agronegócio), enquanto o país torna-se dependente das importações de produtos manufaturados. Exemplo disso ocorreu em 2018, quando o nível de produção estava 5,1% menor e a produção industrial quase 10% abaixo do ano de 2014, ao passo que o saldo comercial de produtos manufaturados foi 12,7% superior, o maior já registrado, diga-se de passagem, desde o ano 2000.
Em síntese, o Brasil regride rapidamente ao passado longínquo da República Velha (1889-1930), quando o padrão de consumo do “andar de cima” da sociedade encontrava-se totalmente descolado da estrutura produtiva do país, dependente da importação de mercadorias tecnologicamente avançadas a serem financiadas pela exportação de matérias primas animais e vegetais.
Para a parte restante da população restaria o regime da quase servidão e o subconsumo no mercado interno subutilizado, conforme parece ter sido impulsionado inicialmente por Temer e agora intensamente pelo governo Bolsonaro.
Marcio Pochmann é Marcio Pochmann é professor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, da Universidade Estadual de Campinas