Ciclos de inclusão social sempre provocaram reação conservadora das elites do país
Mesmo sem viabilidade eleitoral, o governo da exclusão social de Temer dispõe de diversas candidaturas presidenciais. Mas caberá ao povo a oportunidade colocar em xeque o golpismo do governo dos ricos do país
O projeto de inclusão experimentado pelo capitalismo avançado seguiu, em geral, a tríade sucessiva dos direitos civis, políticos e sociais. Com ingresso tardio no modo de produção capitalista, após longeva superação da escravidão, o Brasil constituiu lenta e gradualmente o seu processo próprio de inclusão social demarcado por três ciclos imediatos e fortemente contestados e atacados pelo conjunto de forças liberais conservadoras.
No primeiro ciclo de inclusão social, estabelecido somente para parte dos atores incluídos no projeto de industrialização nacional, coube aos empregados com contrato de trabalho formal a inserção pela via da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em pleno autoritarismo do Estado Novo (1937-1945), a CLT foi implementada em 1943, somente para empregados assalariados urbanos, quando o Brasil ainda registrava quase 90% do trabalhadores no meio rural.
Uma década depois, quando a população avançava rapidamente para as cidades e crescia o emprego assalariado urbano, a reação liberal conservadora ao governo democraticamente eleito de Getúlio Vargas (1951-1954) se fez predominante. Sem o seu suicídio, o governo Vargas seria possivelmente impedido em 1954, deposto e o presidente, aprisionado pela chamada República do Galeão.
O segundo ciclo de inclusão instala-se com a ascensão do movimento dos trabalhadores rurais ao final da década de 1950. Com isso, o governo de Jango (1961-1964) aprova, em 1963, o Estatuto do Trabalhador Rural, atribuindo aos ocupados do campo praticamente os mesmos direitos sociais e trabalhistas dos empregados urbanos.
Mas a generalização da CLT para o meio rural terminou desencadeando violenta reação por parte do patronato, capaz de aglutinar insatisfações pontuais no movimento que desencadeou o golpe civil-militar de 1964. O abandono do regime democrático se instalou por 21 anos após a deposição de Jango, aprofundando a desigualdade no mesmo sentido que a exclusão apartava a maior parte dos ganhos do crescimento econômico.
O terceiro ciclo de inclusão social tem sua referência na Constituição de 1988, capaz de estabelecer a tardia base do Estado de Bem Estar Social no Brasil. Contra isso, o presidente Sarney (1985-1990) declarou, em 1987, que a nova Constituição tornaria o país ingovernável, o que veio a inaugurar o movimento liberal-conservador no período democrático, responsável pela sustentação do receituário neoliberal ao longo da era dos Fernandos (Collor, 1990-92 e Cardoso, 1995-2002).
Somente com a vitória do presidente Lula, em 2002, que a inclusão social tornou-se a marca dos governos liderados pelo PT (2003-2016). O enfrentamento da desigualdade, com a busca da justiça através da generalização de oportunidades em diversas áreas das políticas públicas (educação, saúde, trabalho, renda e outras) concedeu êxito inquestionável à combinação do aprofundamento do regime democrático com o crescimento econômico, pleno emprego e distribuição de renda.
Tudo isso, entretanto, sofreu enorme retrocesso após o golpe de Estado que possibilitou a ascensão do governo Temer, seguida da deposição da presidente Dilma (2011-2016), da perseguição ao Partido dos Trabalhadores e da prisão política de Lula, candidato à presidente nas eleições previstas para outubro de 2018.
Mesmo sem viabilidade eleitoral, o governo da exclusão social de Temer dispõe de diversas candidaturas presidenciais. Mas caberá ao povo, pela primeira vez, a oportunidade de expressar, nas eleições deste ano, o seu desejo de retornar à terceira fase da inclusão social, colocando em xeque o golpismo do governo dos ricos no Brasil.
Marcio Pochmann Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas