Manobra de Cunha reverte decisão, e redução da maioridade passa na Câmara
Brasília – Em mais uma madrugada tensa no Congresso Nacional, o grupo de deputados liderado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) conseguiu reverter, perto da 1h30 desta quita-feira (2), o resultado da votação anterior e aprovou, com 323 votos favoráveis e 155 contrários, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos (estupro, sequestro e latrocínio). O argumento que levou à mudança foi a apresentação de uma emenda aglutinativa que modificou o teor do substitutivo apreciado na última terça-feira e deixou de fora da redução outros crimes antes previstos, como roubo qualificado, tortura, tráfico de drogas e lesão corporal grave. Com isso, 24 deputados que tinham votado pela rejeição da proposta trocaram de posição.
“Esta Casa deve satisfações à população brasileira e gestos de casuísmo não podem virar lugar comum”, protestou o deputado Henrique Fontana (PT-RS), que horas antes da votação pediu ponderação aos colegas, argumentando para a manobra da apresentação da emenda, considerada uma estratégia inconstitucional e um artifício que, segundo vários parlamentares, representa quebra do regimento da Casa. “Isso é mais um golpe contra o Parlamento brasileiro. A Câmara dos Deputados não é a casa de Vossa Excelência. Vossa Excelência tem cometido todo tipo de arbitrariedade e não podemos mais tolerar isso”, bradou o deputado Glauber Braga (PSB-RJ).
De acordo com os deputados que acusam a apresentação da emenda de manobra regimental, não caberia mais a apreciação de uma emenda substitutiva a um texto que já foi rejeitado pela Câmara na noite anterior. A brecha encontrada pelo grupo defensor da redução da maioridade foi de que, tecnicamente, a emenda não passou não porque foi rejeitada, mas porque não tinham sido obtidos os votos suficientes para a sua aprovação – o que costuma acontecer em caso de uma proposta de emenda à Constituição (PEC).
Foram 303 votos aprovando a redução na sessão da madrugada de quarta-feira (para que a PEC passasse, eram necessários pelo menos 308) e 184 votos "não". Por isso, venceu a tese de que a emenda substitutiva, neste caso, poderia sim ser apresentada.
Articulação na madrugada
A emenda encaminhada de última hora ontem, após o primeiro resultado da apreciação da PEC, é de autoria dos deputados Rogério Rosso (PSD-DF) e André Moura (PSC-SE) e foi articulada durante a madrugada da quarta-feira, após reunião das lideranças que apoiam a maioridade com Cunha.
“Perdemos uma batalha, mas não perdemos a guerra”, chegou a afirmar o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE). “Tenho certeza que muitos deputados vão mudar de posição de ontem para hoje após refletir. É inconcebível que sejamos condescendentes com a ideia de que um criminoso menor de 18 anos seja inimputável”, disse o deputado Vinícius Carvalho (PRB-SP), ao fazer um apelo aos colegas para que votassem pela aprovação da emenda.
Ao defender a legalidade na votação, Eduardo Cunha disse que estava respaldado no regimento da Câmara e que não havia como a medida ser contestada. “Acho muita graça que quando eu dei interpretações em matérias do governo, como o projeto da desoneração, as medidas provisórias do ajuste fiscal, ninguém reclamou que a interpretação poderia ser duvidosa. Agora, quando é matéria do interesse deles, de natureza ideológica, eles contestam. Têm dois pesos e duas medidas", acentuou.
Obstruções e recurso no STF
As bancadas do PT, PDT, Psol, PSB e PCdoB lançaram mão de instrumentos de obstrução para impedir a votação da proposta e criticaram a nova votação. Os deputados deixaram claro que vão recorrer ao Judiciário, mais uma vez, contra a emenda. Para Alessandro Molon (PT-SP), que rebateu o presidente, “qualquer um que vença vossa excelência vence por, no máximo, uma noite". "Porque se encerra a sessão e vossa excelência passa a madrugada articulando a derrota da proposta vencedora”, acusou.
O que mais foi citado pelos deputados foi uma comparação com a mesma estratégia usada durante a votação da reforma política, quando numa noite o plenário votou contra o financiamento privado de campanhas e no dia seguinte, após articulação semelhante do grupo de Cunha, a votação foi revertida e o financiamento privado, aprovado.
Vários deputados fizeram menção à votação da reforma política, quando a proposta que permitia o financiamento empresarial para candidatos e partidos foi derrotada na madrugada, mas uma nova emenda permitindo o financiamento apenas para partidos venceu a votação no dia seguinte.
Galerias fechadas
Cunha também não permitiu a entrada dos poucos estudantes que foram à Câmara para defender a derrubada da proposta, alegando que os manifestantes fizeram tumulto na noite anterior. A decisão do presidente da Câmara de votar um texto semelhante ao derrotado de madrugada também gerou bate-boca e questionamentos por parte de deputados contrários ao texto, mas o peemedebista conseguiu prosseguir com a votação.
“Todos nós queremos resolver a questão da violência, da criminalidade, queremos evitar que crimes bárbaros terminem. Mas precisamos, de forma madura e responsável, encontrar qual a alternativa real para resolver o problema. E a alternativa real é alterarmos o Estatuto da Criança e do Adolescente. Os efeitos colaterais dessa redução da maioridade penal são maiores que os alegados benefícios”, destacou Henrique Fontana.
“Não queremos jovem infrator na rua, mas queremos lugares decentes para que eles sejam punidos. Mas não dá para misturar os jovens com bandidos de alta periculosidade. O que está em jogo é o futuro dessas gerações. É um retrocesso se aprovarmos essas emendas”, ressaltou o líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE).
O líder do PSC, André Moura (SE), favorável à redução, enfatizou que o grupo tem consciência de que com a votação não resolve o problema, mas aposta que consiste no início do que chamou de “novo caminho para reduzir a violência”. "Nós sabemos que a redução da maioridade penal não é a solução, mas ela vai pelo menos impor limites. Não podemos permitir que pessoas de bem, que pagam impostos, sejam vítimas desses marginais disfarçados de menores", discursou.
A matéria ainda terá de ser aprovada em segundo turno na Câmara, para então ser encaminhada para apreciação no Senado.
Deputados que mudaram de posição – rejeitaram a PEC ou se abstiveram da votação na madrugada da quarta-feira e votaram pelo sim nesta madrugada:
- Abel Mesquita Jr. (PDT-RR)
- Celso Maldaner (PMDB-SC)
- Dr. Jorge Silva (PROS-ES)
- Dr. Sinval Malheiros (PV-SP)
- Dulce Miranda (PMDB-TO)
- Eros Biondini (PTB-MG)
- Evair de Melo (PV-ES)
- Expedito Netto (SD-RO)
- Heráclito Fortes (PSB-PI)
- JHC (SD-AL)
- João Paulo Papa (PSDB-SP)
- Kaio Maniçoba (PHS-PE)
- Lindomar Garçon (PMDB-RO)
- Mandetta (DEM-MS)
- Mara Gabrilli (PSDB-SP)
- Marcelo Matos (PDT-RJ)
- Marcos Abrão (PPS-GO)
- Marcos Reategui (PSC-AP)
- Paulo Foletto (PSB-ES)
- Rafael Motta (PROS-RN)
- Subtenente Gonzaga (PDT-MG)
- Tereza Cristina (PSB-MS)
- Valadares Filho (PSB-SE)
- Waldir Maranhão (PP-MA)
Fonte: Mesa diretora da Câmara
Deputados que votaram sim na primeira votação e que votaram não ou se abstiveram na segunda:
- Arnon Bezerra (PTB-CE)
- Marcelo Castro (PMDB-PI)
- Penna (PV-SP)
Fonte: Mesa diretora da Câmara
Deputados que votaram sim na primeira votação e faltaram à segunda:
- Francisco Chapadinha (PSD-PA)
- Francisco Floriano (PR-RJ)
- Genecias Noronha (SD-CE)
- Laercio Oliveira (SD-SE)
- João Carlos Bacelar (PR-BA)
- Mauro Lopes (PMDB-MG)
- Wellington Roberto (PR-PB)
Deputados que faltaram à primeira votação e votaram sim na segunda
- Cabuçu Borges (PMDB-AP)
- Iracema Portella (PP-PI)
- Irmão Lazaro (PSC-BA)
- Rogério Marinho (PSDB-RN)
- Silas Brasileiro (PMDB- MG)
- Takayama (PSC-PR)
Por Hylda Cavalcanti, da RBA
Fonte: Mesa diretora da Câmara