Magda Biavaschi e Belluzzo: a acumulação insaciável e as falsas promessas das reformas liberais
Para desembargadora, país vai na contramão até de governos conservadores. Economista chama carteira verde e amarela de medida “grotesca”. Reduzir salário é preparar catástrofe
Governantes brasileiros que tentaram reduzir a desigualdade terminaram mal, diz a professora e desembargadora aposentada Magda Biavaschi: foram “suicidados”, depostos por golpes (civil-militar ou parlamentar) ou postos na cadeia sem prova de crime. Prevalecem um “desejo insaciável de acumulação de riqueza” e a ordem constitucional “devassada”, diz ela, no início de debate com o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. O encontro virtual na noite do dia 13 foi promovido pela Escola de Ciências do Trabalho do Dieese.
Agora, uma crise sanitária “deixa escancarada” a dramática desestruturação do sistema público de saúde, afirma Magda. Ela acrescenta que, ao contrário do que tentam fazer crer, um sistema em boas condições, ajuda a impulsionar a economia.
Em um país com mercado de trabalho “estruturalmente assimétrico, desigual”, houve a tentativa de iniciar, ainda nos anos 1930, durante o processo de industrialização e construção do capitalismo brasileiro, certa estrutura de proteção ao trabalho e das instituições. Esse processo, com idas e vindas, chegou à Constituição de 1988, que não à toa é sistematicamente atacada.
Desigualdade cresceu
Vieram as “reformas” e suas promessas embutidas, diz Magda Biavaschi, citando o discurso recorrente: “Criar empregos, incorporar os terceirizados, os informais, e ampliar as possibilidades de crescimento econômico por meio da eliminação das inseguranças jurídicas que eram aprofundadas pela Justiça do Trabalho”. O resultado foi o contrário.
“Passados dois anos, acirraram a desigualdade, os índices de desemprego são assustadores, (criaram a) possibilidade de contratações que antes eram consideradas espúrias, irregulares, punidas na Justiça e na fiscalização”, observa. E agora, com a pandemia, o governo tenta criar uma falsa dicotomia: emprego ou saúde.
“No mundo inteiro, o que estamos vendo, mesmo em governos conservadores, são medidas que asseguram a saúde e a vida do trabalhador e, pari passu, a economia e a vida das empresas, com medidas eficazes e que, claro, vão demandar a transformação do papel do Estado”. Ela se mostra favorável que o governo “abra a maquininha” e emita moeda.
Belluzzo lembra que as reformas seguiram o discurso de que flexibilizar iria acelerar o crescimento, que reduzindo os custos aumentariam os investimentos. E surgiram medidas como a carteira verde e amarela (que ainda pode voltar), “uma das coisas mais grotescas que já vi na minha vida”. Cita o empresário americano Henry Ford, do início do século passado: era preciso pagar salários para que os operários fossem capazes de adquirir os bens que produziam.
Ainda na história econômica dos Estados Unidos, Belluzzo diz que um dos primeiros itens do programa de combate à recessão do presidente Franklin D. Roosevelt foi aumentar a sindicalização para que os que os trabalhadores pudessem defender seus salários, ao mesmo tempo em que permitia manutenção de preços pelas empresas. Já nos anos 1930, o governo criou o sistema público de previdência. Tudo na contramão do que o Brasil atual vem fazendo, conclui.
Desmonte e intolerância
Um projeto de proteção social passou a ser desmontado ainda nos anos 1980, aponta o economista, lembrando que o país “fervilhava” durante o período da Assembleia Constituinte, porque havia um desejo de aproximar o Brasil de padrões mais desenvolvidos. Mas isso esbarrou na intolerância “a qualquer coisa se pareça trazer os menos favorecidos para participar da vida social e política”. Para Belluzzo, reduzir salários agora é preparar uma “catástrofe” adiante.
O Brasil está lutando também contra o que ele chama de “neuronavírus”. “É um vírus que dá no cérebro das pessoas e corrói os neurônios. A pessoa fica só com dois, com o ideário neoliberal”, ironiza.
Para Magda Biavaschi, que foi juíza durante 30 anos, a Medida Provisória 936, que permite suspensão de contratos, é “flagrantemente inconstitucional”, considerando que o princípio da livre iniciativa está condicionado ao contrato social e à dignidade humana. Considerando a livre iniciativa um princípio absoluto, o Supremo Tribunal Federal julga “à luz da Constituição de 1891”. Não é de hoje: ela considera que, com suas decisões de alguns anos pará cá, o STF “foi a antessala da reforma trabalhista”.
Reconstrução
Para Belluzzo, a pandemia revelou a fragilidade das políticas neoliberais. “Vamos ter um momento difícil de reconstrução. Essa crise é tão profunda e tão grande quanto a Grande Depressão de 1929.” Mas existem, acrescentou, instrumentos de política econômica e fiscal que podem reduzir o problema. “Só que eles ficam com mimimi, o Estado vai quebrar. Isso é uma bobagem monumental. Só quebra país que tem dívida em moeda estrangeira”, rebate. Os vários pedidos de impeachment precisam ser encaminhadas pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas ela não vê “respaldo político” para isso.
No pós-pandemia, acredita Magda, haverá disputa para uma “reconstrução da sociedade em outros patamares”. Os sindicatos, por exemplo, já pensam em outras formas de organização, para incluir autônomos, uberizados, não só na ação trabalhista como em um campo de proteção social.
Para os tempos atuais, Belluzzo recomenda a leitura de Memórias do Subsolo, de Dostoéivski.
Fonte: Rede Brasil Atual