Entenda como falta de crédito agrícola ajudou na disparada dos preços dos alimentos
Responsáveis por 70% dos alimentos que os brasileiros põem à mesa, os pequenos agricultores do país vêm sofrendo a cada ano com a diminuição do crédito a juros mais baixos (2,5% ao ano) oferecidos por meio do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). No ano passado foram oferecidos cerca de R$ 13,6 bilhões, cerca de R$ 1,2 bilhão a menos do que o necessário. Este ano a previsão é que faltem R$ 2 bilhões.
Sem crédito para investimentos, os pequenos agricultores reduzem a área plantada e consequentemente há escassez na oferta de alimentos. Quanto menor é a oferta, maior é o valor cobrado nas feiras e supermercados. Outros fatores que explicam os preços altos são a falta de uma política agrícola assertiva por parte do governo federal, a alta do dólar e o sucateamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) , responsável pelos estoques reguladores.
E não foi por falta de aviso ao governo federal de que a falta de recursos impactaria na produção e, consequentemente na alta dos preços. Segundo Márcio Rochinski , secretário-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf-Brasil), desde o início da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) os pequenos agricultores chamaram a atenção do governo federal de que era necessário ter investimentos para não desestimular o processo produtivo.
De acordo com Rochinski, a demanda por crédito hoje para a agricultura familiar gira em torno de R$ 50 bilhões ao ano. Com este valor seria possível recuperar a capacidade produtiva do pequeno agricultor e o país teria maior disponibilidade de alimentos.
“Isto significa que não é só questão de produzir em grandes áreas e investir em commodities. Muitas vezes, a produção do pequeno agricultor, invisível para o governo, é fundamental para garantir a disponibilidade de alimentos, inclusive nos pequenos municípios onde parte da população acaba comprando direito do pequeno agricultor, que também vende seus produtos em feiras livres”, afirma Rochinski.
O dirigente explica ainda que tem muita produção de alimentos em pequena escala, consumida localmente, em feiras, em circuitos de comercialização direta com o produtor rural, que não é contabilizada pelas estatísticas do governo e esta produção sofreu uma perda significativa.
“Por causa da pandemia muitas feiras não foram realizadas, esses produtores não tinham para onde escoar e deixaram de produzir”, afirma.
Segundo Rochinski, no passado houve uma luta junto ao Congresso Nacional para a implantação de recursos de crédito, fomento e comercialização para as famílias que historicamente são excluídas dos programas tradicionais de crédito, mas nada disso adiantou, por que apesar da Câmara e Senado aprovarem, o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL) vetou o novo programa.
Já o secretário de Política Agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Antoninho Rovaris, chama a atenção para a falta de recursos financeiros a longo prazo. Segundo ele, há três anos o governo tem deixado a desejar no volume de crédito disponível.
“Os recursos que vão para a agricultura não são mais do Orçamento Geral da União, são dos bancos. Um banco coloca dinheiro com risco, por isso nem sempre tem dinheiro a longo prazo e, quando chegam os meses de dezembro/janeiro já estão faltando recursos para crédito e investimento, mas o governo não complementa. No ano passado dos R$ 1,2 bi que faltaram, o governo só liberou a metade, R$ 600 milhões”, diz Rovaris.
Sem crédito os pequenos agricultores vão buscar outras fontes de financiamento com juros mais altos, mas outros não investem e, consequentemente reduzem o plantio e cai a colheita, completa o dirigente.
Falta de estoque contribui para alta dos preços
Uma das razões para os preços dos alimentos triplicarem em relação ao índice da inflação dos últimos 12 meses, de acordo com Rovaris, é que há anos o estoque regulador de alimentos, como forma de socorrer a população num momento difícil, vem sendo desmontado, e só piorou com a privatização de armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), há quatro anos.
“Hoje os estoques do governo são irrisórios. São os grandes conglomerados que armazenam os grãos. Quem domina a cadeia da soja, do milho, da carne, que têm milhões de toneladas estocadas e jogam no mercado a partir da sua vontade, não são os pequenos agricultores”, diz o secretário de Política Agrícola da Contag.
Dólar, o maior vilão?
O recorde de produção em soja, milho e outros grãos não está sendo colocado nas mesas dos brasileiros, está sendo exportado. Com a alta do dólar, chegando a quase R$ 6,00, o custo da produção também aumenta. Segundo Rovaris, tudo que tem preço cotado na moeda norte-americana sobe e o impacto chega ao campo.
Até mesmo a política de preços dos combustíveis da Petrobras baseada no dólar reflete no preço da alimentação do brasileiro.
“Um litro de diesel a R$ 4,50, significa R$ 45,00 no uso de um trator, que consome 10 litros por hora de funcionamento. O produtor do leite tem de alimentar o gado com farelo de milho, também cotado em dólar e o pequeno produtor não tem como arcar com esses custos sem repassar o preço”, alerta Rovaris.
Para ele, o dólar precisa ter um valor compatível com a remuneração dos brasileiros e ficar em torno de R$ 3,00.
“Se baixar para R$ 3,00 aí teremos estabilidade de preços. Vai ter alimentos mais baratos, mas nunca o dólar teve um valor tão alto nos últimos 10 anos. E se continuar assim, os preços dos alimentos devem continuar no mínimo como estão”, acredita o dirigente da Contag.
O aumento nos preços da alimentação por causa do dólar como faz o governo e o mercado financeiro não se justifica sozinho, acredita Rochinski. Para ele, falta ao governo políticas contundentes de produção e de estoque regulador.
“O Brasil não tem estoque para três meses para alimentar a sua população se houver uma catástrofe”, denuncia.
Queda na renda dos pequenos agricultores
O secretário da Contraf-Brasil , Márcio Rochinski alerta ainda sobre a queda de compras institucionais a programas de aquisição de alimentos como a alimentação escolar e outros que escoavam a produção dos pequenos agricultores.
Para ele, todo o conjunto de falta de crédito, de estoques reguladores, do sucateamento da Conab, de programas de compras institucionais e comercialização são os principais fatores para a disparada de preços dos alimentos. Mas isto , no entanto, não afetou apenas quem compra, mas também os pequenos agricultores que não têm como investir na produção.
“Todo mundo fala do preço dos alimentos tradicionais: arroz, feijão, carne, mas esses produtos subiram depois que os legumes, verduras e hortifrúti já tinham aumentado de preços, por que a disponibilidade desses produtos diminuiu. Mas quando o povo não pode mais comprar verduras, legumes e frutas, o consumo do básico: arroz, feijão e do pão aumenta e assim tudo encarece.
“O modelo de produção, as formas com que políticas são feitas são para dar grandes lucros aos grandes produtores em detrimento de um processo de segurança alimentar e, com isso o povo brasileiro passa fome”, conclui o dirigente da Contraf-Brasil.
Fonte: CUT Nacional