Economia e sistema de proteção social entram em colapso no governo de Jair Bolsonaro

ROBERTO PARIZOTTI
Economia e sistema de proteção social entram em colapso no governo de Jair Bolsonaro

Economista Denise Gentil alerta que a chegada de Bolsonaro ao poder aprofundou a crise econômica e gerou colapso do sistema de proteção social do país, colocando os mais pobres na miséria

Após o primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro (sem partido), o país vive um momento de enorme gravidade econômica e social, com uma implacável destruição do Estado Democrático de Direito e de ruptura do pacto civilizatório, antes amparado pela Constituição Federal de 1988. Esta situação gerou uma enorme violência para a grande maioria dos trabalhadores e das trabalhadoras que vive sem nenhuma perspectiva de uma vida mais digna.

A constatação é da professora de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), Denise Gentil, após analisar os números da economia do país.

Para ela, há um emaranhado de fatores nocivos como a reforma da Previdência, a queda brutal do investimento público, a desindustrialização do país, a devastação do meio ambiente (tanto por desastres provocados por empresas quanto por eventos climáticos extremos), a desregulamentação do mercado de trabalho, o desmantelamento da educação e da saúde pública e a privatização de recursos naturais e dos serviços públicos essenciais à população que levaram inevitavelmente à atual crise social e econômica de grandes proporções.

Confira as medidas tomadas pelo governo Bolsonaro que resultaram neste cenário caótico:

- 0,89% de crescimento econômico (previsão do PIB feita pelo Boletim Focus do Banco Central). O mercado financeiro projetou 2,53% de crescimento no início do ano no primeiro relatório Focus.

- queda de 1,1 % da produção industrial em relação ao ano anterior. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 4 de fevereiro deste ano, a indústria brasileira operou 18% abaixo do ponto mais alto registrado em maio de 2011. Em seis anos (2014/2019) a indústria brasileira perdeu 14,8%.

- 11,9% é a taxa de desemprego médio de 2019, atingindo 12,6 milhões de pessoas, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Continua do IBGE;

- a taxa de informalidade é de 41,1%. São 38,4 milhões de pessoas trabalhando de forma muito precária, um recorde dos últimos quatro anos;

- a renda domiciliar dos 20% mais pobres caiu 11,5%, enquanto a dos 20% mais ricos registrou um aumento real de 6% ainda segundo a PNAD Contínua do IBGE.

- Há 63,4 milhões de inadimplentes no país (dados de agosto/2019 da Serasa Experian). Cerca de 40% da população adulta deixaram de honrar seus compromissos financeiros.

- O investimento público em 2017 foi o menor em 50 anos, impactando severamente na falta de dinamismo da economia brasileira. No entanto, em 2019, o investimento do Governo Central foi de apenas 0,8% do PIB, segundo dados do Tesouro Nacional.

Elite apoia as medidas

Para a professora Denise Gentil, as medidas tomadas pelo governo tiveram um amplo apoio da elite econômica do país, que se interessa apenas em resguardar os ganhos financeiros na Bolsa de Valores, nos títulos públicos e nos vários ativos financeiros.

“É uma espécie de domínio econômico e político que não apenas alterou completamente o funcionamento das regras democráticas, mas que também não se importa com a falta de crescimento econômico, com o alto índice de desemprego e miséria, com o aumento dos sem-teto, com a morte por violência na periferia e com as perdas dos direitos sociais que desprotege os mais vulneráveis”, critica.

Ela ressalta ainda que, segundo a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, entre 2015 e 2018, em média, 1 milhão de brasileiros desceram para um patamar abaixo da linha de pobreza ao ano. De acordo com o Banco Mundial está abaixo da linha de pobreza quem tem rendimento de US$ 1,90 diário.

“O último dado do IBGE é de 2018 e mostra que 13,5 milhões de pessoas (6,5%) têm renda inferior a US$ 1,90 ao dia. Esse contingente é maior que a população de países como Portugal, Bélgica e Grécia”.

Ricos investem no mercado financeiro

A professora de economia vê na hipertrofia da especulação financeira, a chamada financeirização e no aprofundamento da dinâmica neoliberal, os principais motivos para os baixos índices da economia brasileira.

Ela, que vem estudando há alguns anos o processo de financeirização da economia brasileira e mundial, diz que os recursos para investimentos produtivos passaram a ser alocados preferencialmente em ativos financeiros, não importando os impactos negativos, como o baixo crescimento, o aumento das crises financeiras, o desemprego, a concentração de renda e da riqueza e a deterioração das finanças públicas causada pela queda da arrecadação e pelo aumento da despesa financeira do setor público.

“A política neoliberal resulta em grandes ganhos para o capital financeiro investido em títulos públicos e na Bolsa de Valores. O ganho no ano passado na Bolsa foi de 31,58%, o quarto ano consecutivo de ganhos do Ibovespa. O lucro acumulado pelos quatro maiores bancos, Itaú, Santander, Bradesco e Banco do Brasil, foi de R$ 59,7 bilhões, um aumento de 14,6% em relação a 2018, segundo dados da empresa Economatica. Enquanto isso, o PIB cresceu menos de 1%”, diz.

Segundo Denise, as forças conservadoras promoveram um novo padrão de riqueza no capitalismo, a ' financeirização' que impõe uma política econômica que lhe é favorável. Austeridade fiscal, metas de inflação muito baixas, privatizações, desmonte dos bancos públicos, ausência de controle sobre entrada e saída de capital e desregulação do mercado de trabalho que resultam em violenta segregação social, com níveis de investimentos e empregos baixos. Não existe espaço para a realização de políticas públicas.

“Os direitos sociais são considerados empecilhos, ‘privilégios’, tidos como prejudiciais à economia”, afirma a economista.

O neoliberalismo econômico pós golpe de 2016

Para que Jair Bolsonaro e as forças conservadoras provocassem esse caos na economia, deve-se voltar um pouco no tempo e analisar os efeitos da Emenda Constitucional (EC) nº 95, do Teto dos Gastos Públicos, aprovada no governo golpista de Michel Temer, acredita a professora de Economia da URFJ.

Somente na área da saúde o corte de gasto causado pela EC 95, foi de R$ 9,5 bilhões, em 2019. Se a regra anterior ainda valesse, teriam sido aplicados no ano passado, em saúde 14,5% da Receita Corrente Líquida (RCL), o equivalente ao valor de R$ 131,3 bilhões. Com o corte o setor ficou com apenas R$ 122,3 bilhões.

Segundo Denise Gentil, o avanço da financeirização impôs o Teto dos Gastos para limitar as políticas públicas e desconstruiu o estado de bem estar social. Isto atingiu, em 2019, só na saúde, o programa Farmácia Popular, a vacinação, e levou à queda de investimentos em pesquisas.

“E não apenas isso. Houve redução no gasto federal com educação superior, seguro desemprego, saneamento básico e com o programa Minha Casa Minha Vida”, conta a professora da URFJ.

Futuro sombrio

Para Denise Gentil, há muitos motivos para a crise continuar produzindo estragos em 2020. Os dados muito fracos da atividade econômica no Brasil se juntam às fortes incertezas no mercado mundial causadas pela crise na Argentina e a desaceleração da China e Europa, provocada pelo coronavírus, o que impactará fortemente as exportações.

No ano de 2019, a Bolsa de Valores de São Paulo teve uma fuga de capital estrangeiro de US$ 44,5 bilhões e agora com a epidemia do Coronavírus as empresas brasileiras, principalmente as do agronegócio que exportam carne bovina para a China, perderam R$ 398 bilhões em valor de mercado. Entre janeiro e 27 de fevereiro de 2020, a saída de capitais da bolsa foi de R$ 35 bilhões.

“Combater o CoronavÍrus não é apenas uma medida de saúde coletiva, mas é também a salvação da Bolsa de Valores”, avalia.

No entanto, para a economista, não é apenas a crise financeira mundial provocada pelo Coronavírus o motivo da queda na Bolsa brasileira.

“O insucesso do leilão do pré-sal pela Petrobras e a falta de confiança nos resultados da política econômica de Bolsonaro, também são fatores que produziram essa queda”, afirma.

Para piorar a crise econômica, a previsão de algumas instituições financeiras, segundo Denise, para o Produto Interno Bruto (PIB) é de um crescimento baixo, que já está em apenas 1,4% e não de 2% como pretende a equipe econômica do governo.

Ela afirma que o ministro da Economia, Paulo Guedes, já enfrenta um desgaste muito grande porque a queda nos juros, o arrocho fiscal e a reforma da Previdência não estão alavancando a economia conforme foi prometido por ele.

“O alto patamar de desemprego, o elevado endividamento das famílias e os investimentos públicos muito baixos geram expectativas de desmoronamento na demanda e produzem um clima de elevada incerteza nos investidores, paralisando os investimentos produtivos. Além disso, há fuga de capitais da bolsa, que neste governo já chegou a R$80 bilhões. Estamos perdendo reservas internacionais de forma acelerada e há perigo de crise externa no horizonte. Em síntese, a gestão de Guedes tem sido desastrosa”, afirma.

Declarações de Bolsonaro contra a democracia agravam crise econômica

O mercado financeiro internacional está temeroso em investir no país por causa do risco político que vem das frequentes declarações de Jair Bolsonaro. Seus recentes ataques ao Congresso Nacional impactam negativamente na economia porque as reformas que o mercado financeiro ainda quer aprovar, podem ser paralisadas e gerar incertezas.

“Há um clima de enfrentamento entre os Poderes. O mercado financeiro e as forças conservadoras desejam a reforma dos fundos públicos, a reforma administrativa e a reforma tributária para reduzir ainda mais o espaço de políticas que não sejam aquelas que favorecem as finanças. Ocorre que a disputa política de Bolsonaro com os setores progressistas do Congresso pode paralisar tudo isso, principalmente em ano de eleição”.

Só a união e luta dos trabalhadores podem frear a crise financeira

A professora de economia defende que é a classe trabalhadora que precisa e que se interessa pelo crescimento econômico para ter empregos e viver com dignidade.

“Se não houver a resistência das forças progressistas e as urgentes alianças políticas contra o aprofundamento desse ultra financismo misturado com golpe de Estado, não haverá saída para os trabalhadores”, diz.

Denise Gentil defende ainda que precisamos encontrar o caminho que nos leve a escapar do labirinto da desmobilização e do comodismo. Segundo ela, é uma tarefa dificílima, mas já conseguimos realizá-la no passado. A tarefa fundamental é criar um ambiente político que promova a reversão da reforma da previdência e da reforma trabalhista, que acabe definitivamente com a austeridade fiscal para recuperarmos os empregos, que promova o perdão da dívida dos estudantes universitários, que nos proporcione uma saúde pública de fato universal e digna, uma educação voltada para o progresso social, que promova a reestatização da Petrobrás, a retomada dos bancos públicos, o controle ambiental em favor dos povos e da vida.

“São tarefas gigantescas, proporcionais às imensas perdas recentes, mas é na a luta que conseguiremos encontrar os caminhos e vencer a desesperança. Não é tarde para reescrevermos nossa história. Será preciso muita resistência, estratégia e inteligência política para frear este modelo econômico que traz perspectivas profundamente nefastas. Precisamos de lideranças que reúnam essa capacidade de reformular o país", diz.

CUT e Centrais sindicais convocam trabalhadores em defesa de direitos

A união da classe trabalhadora em defesa dos seus direitos e pela democracia, que prega a professora de economia da URFJ, Denise Gentil, começa a se tornar realidade com a decisão das centrais sindicais em promover no próximo dia 18 de março, o Dia Nacional de Luta em Defesa do Serviço Público, Estatais, Emprego e Salário, Soberania, Defesa da Amazônia e Agricultura Familiar”.

Convocado pela CUT e demais Centrais sindicais, o 18 de março será um dia de mobilizações nos locais de trabalho, paralisações e atos nas principais capitais e nas cidades do interior do país.

Fonte: CUT Nacional

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