Desmonte de programa de reabilitação do INSS coloca em risco à saúde do trabalhador

REPRODUÇÃO/INSS
Desmonte de programa de reabilitação do INSS coloca em risco à saúde do trabalhador

Criado em 2007 durante o governo Lula, o Programa de Reabilitação Profissional do INSS, destinado a trabalhadores acometidos por doenças ou acidentes que os incapacitem de exercer suas funções profissionais vem sendo gradativamente desmontado pelos governos que assumiram o poder após o golpe de 2016, contra a presidenta Dilma Rousseff.

Pensado como uma política de saúde voltada à proteção social de grupos vulneráveis e estruturado por três pilares – a perícia médica, a reabilitação e o serviço social -, o programa teve sua essência destruída pelos governos do ilegítmo Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL).

Esse desmonte é parte do plano de desorganização e deterioração de serviços públicos que foi colocado em prática no Brasil após o golpe, analisa a secretária de Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida Silva.

Segundo ela, a destruição das políticas previdenciárias e de saúde interessam aos aliados dos grupos políticos de Temer e Bolsonaro que só trabalham para atender interesses dos empresários.

“Querem o fim do INSS, a privatização total da Previdência e da saúde no Brasil. Quem perde com isso são os trabalhadores que ficam sem acesso”, diz a dirigente.

O desmonte de dessa política pública foi tema de uma pesquisa publicada na Scientific Eletronic Library Online (Scielo) por dois pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina. No artigo, a analista do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e mestra em sociologia, Kelen Clemente Silva e o professor de sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Dr. Fernando Kulaitis, mostram que desde 2018, o programa vem sofrendo alterações consideráveis que colocam trabalhadores em risco. Os efeitos na saúde do trabalhador serão sentidos nos próximos anos, de acordo com os pesquisadores.

Uma dessas transformações, aponta o estudo, é o sistema de perícias médicas para a avaliação dos trabalhadores acometidos de doenças ou que sofreram acidentes. É a perícia que decide sobre o afastamento e o pagamento de benefícios a esses trabalhadores, garantindo proteção à saúde, à vida e a subsistência econômica durante o período em que não estiverem trabalhando e em tratamento.

“O desmantelamento da Política Pública de Previdência Social, evidenciado por meio da desestruturação do Programa de Reabilitação Profissional em comparação aos moldes em que foi construído, caracteriza desproteção social e desamparo aos trabalhadores adoecidos em seu processo de retorno ao trabalho”, diz trecho do artigo.

O levantamento dos pesquisadores confirma um problema vivenciado por milhões de brasileiros. As perícias vêm cada vez mais dificultando o acesso dos trabalhadores ao afastamento, tratamento e recebimento do benefício a que têm direito. Em geral, o trabalhador tem o benefício negado e têm de voltar ao trabalho, mesmo doente ou incapaz.

O estudo conclui que “o fim do programa, a emissão de certificado e o desligamento sem a devida perícia médica podem acarretar altas indevidas e, consequentemente, o agravamento da saúde do trabalhador, que retornaria para um mercado de trabalho permeado pelo medo do desemprego e desamparo financeiro”.

Além disso, a ausência de assinatura de um perito médico no certificado de reabilitação profissional também coloca em dúvida a credibilidade e a efetividade do Programa de Reabilitação Profissional quanto à saúde do trabalhador.

Levando em consideração que, em 2019, no primeiro ano de mandado, Bolsonaro extinguiu a Diretoria de Saúde do Trabalhador e vinculou a Previdência ao ministério da Economia, é possível ter em mente qual a ideologia do atual governo em relação à vida dos trabalhadores.

Com a extinção da Diretoria, médicos deixaram de fazer parte do quadro de servidores. Ao mesmo tempo foi criada a Perícia Médica Federal. Desta forma o Programa de Reabilitação sofreu com a ausência de médicos e atenção à saúde foi ‘remodelada’.

O que diz o estudo
O estudo mostra que até 2016, o Programa de Reabilitação Profissional tinha como preceitos levar em consideração o modo como se dá o trabalho na sociedade, ou seja, a relação entre prazer e sofrimento, inclusão e exclusão, saúde e doença e, em especial, trabalho e adoecimento incluindo como fundamental a saúde do trabalhador e a reabilitação profissional. Essa característica, voltada ao social, se perdeu ao longo dos anos seguintes e o primeiro passo foi burocratizar tarefas e excluir dos manuais do programa as concepções sobre a saúde do trabalhador.

O caminho adotado para essa mecanização dos conceitos foi justamente as perícias médicas.

Um exemplo: antes, o trabalhador era encaminhado ao programa no momento da perícia médica, após serem identificadas restrições laborais pelo perito médico, o que indicava a necessidade de intervenção da equipe de reabilitação. Havia ainda, além da avaliação médica, uma avaliação socioeconômica e, então, era concluída a perícia, com elegibilidade ou não do segurado ao programa.

Após 2018, a avaliação conjunta foi extinta e dado maior poder ao perito médico, na hora da perícia e isso, conforme diz o estudo, não permite uma avaliação do nexo biopsicossocial do adoecimento.

O modelo ‘biopsicossocial’ compreende as dimensões biológica, psicológica e social da pessoa. Desta forma é possível investigar sintomas físicos para entender como a causa da doença pode estar no organismo do paciente e, portanto, faz toda a diferença na hora de ‘mandar o trabalhador de volta ao trabalho’.

“Nossas vidas não podem estar nas mãos dos peritos porque os trabalhadores passam até seis meses para fazer a perícia que muitas vezes não é aprovada”, diz Madalena.

Ela aponta ainda que há propostas tanto da CUT como de partidos como o PT, que incluíram o tema em seu plano de governo, para usar o Sistema Única de Saúde (SUS) para humanizar as perícias.

“O sistema do SUS pode garantir que os médicos possam fazer perícia pela assistência básica. Os médicos podem fazer esse papel e diminuir a fila - essa longa espera que é desumana e para que os trabalhadores possam ter acesso aos seus benefícios e possam fazer a reabilitação para voltar ao trabalho de forma segura”, explica a dirigente.

Ataques
Madalena Silva, secretária de Saúde da CUT reforça que o desmonte do Programa de Reabilitação não é a única frente de ataque às políticas previdenciárias. “Desde 2016 houve cortes no orçamento para a Previdência que tem recursos tanto do Estado como dos próprios trabalhadores, quando são descontados em seus salários. Além de o governo diminuir os recursos, do outro lado, a arrecadação também caiu já que o desemprego explodiu”.

Para ela é preciso revogar as reformas Trabalhista e da Previdência, além da Emenda do Teto dos Gastos (EC-95) para que o sistema previdenciário possa respirar. “É preciso também elegermos um governo que tenha como meta proteger os trabalhadores”, completa.

E a dirigente reforça que nos dias de hoje, o sistema que poderia garantir um atendimento e tratamento digno aos trabalhadores que se afastam por acidentes ou doenças, e para suprir o papel do programa de Reabilitação Profissional é o SUS. “Como está hoje não dá. Não podemos esperar por uma perícia médica. O SUS considera os princípios de equidade e universalidade e seria um bom caminho”, ela pontua.

Dois tempos distintos
“Durante os governos Lula e Dilma, a Previdência e o INSS buscavam cumprir sua missão constitucional de dar proteção social aos seus segurados contribuintes atendendo as demandas individuais e coletivas. A agilização na concessão de benefícios foi a tônica dos governos Lula e Dilma”, lembra o pesquisador da Universidade Federal de Brasília (UNB), Remígio Todeschini.

“Os governos petistas acabaram com as matérias sensacionalistas que mostravam filas quilométricas de trabalhadores doentes esperando na porta das agências do INSS”, diz o ex-ministro da Previdência Luiz Marinho, lembrando as matérias que via no Jornal Nacional, da TV Globo.

Marinho acrescenta que o fim das filas de espera durante os governos Lula e Dilma deram dignidade ao trabalhador na hora em que precisavam requerer os benefícios a que tinham direito. “Temer e Bolsonaro criaram a fila virtual e dificultaram o acesso a esse direito“, diz o ex-ministro.

Em 2009, com muito investimento em formação, estrutura física das agências e em tecnologia de informação, aposentadorias chegaram a ser concedidas em 30 minutos. Já hoje em dia, a situação é bem diferente. “A conquista da aposentadoria em meia hora hoje se transformou e uma fila anual, agora virtual, enorme para concessão de benefícios, fila que chega a mais de um ano“, reforça Remígio.

A fila para benefícios do INSS começou o ano de 2022 com 1.865.209 requerimentos em análise. O estoque alto dos benefícios previdenciários e assistenciais se mantém desde 2019, e em janeiro do ano passado estava em 1,7 milhão.

Isso também é reflexo de decisão política contrária aos interesses dos trabalhadores, como a falta de novos concursos na Previdência ou de peritos, diz Remígio.

Sobre a Scielo
O programa SciELO Brasil é resultado de uma parceria entre a Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (FAPESP) e a Bireme (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde), com o apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

A plataforma é uma grande livraria eletrônica que reúne milhares de artigos e materiais científicos confiáveis, em português, que entre outras funções auxilia como referencial teórico em pesquisa de dados para organizações no desenvolvimento de projetos e estudantes em conclusão de cursos acadêmicos.


Fonte: CUT Nacional

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