O outro lado da Lava Jato

Sérgio Nobre

A CUT (Central Única dos Trabalhadores) alertou, desde o início da Lava Jato, em 2014, que a operação não podia atingir as empresas porque afetaria os empregos e a economia. Investigar, comprovar e punir os culpados, sem afetar a atividade empresarial, era a tarefa. Não foi o que aconteceu.

Na contramão do que alertou o movimento sindical, a Lava Jato assolou o mercado de trabalho e a economia. Da forma como foi conduzida pela República de Curitiba, paralisou obras e atingiu a imagem das maiores empresas nacionais, inviabilizou a continuidade de projetos, desorganizou finanças e, inconsequentemente, quebrou parte importante da cadeia produtiva da construção civil e do petróleo e gás Gerou um efeito dominó de destruição de emprego e renda.

Por causa da operação, construtoras e empresas de infraestrutura e engenharia que desenvolviam alta tecnologia e já estavam em processo de internacionalização, com obras ao redor do mundo, foram destruídas. Se tivessem sido preservadas, seguiriam em frente com novas diretorias no lugar dos investigados e condenados.

No caso da Petrobras, além de gerar prejuízo bilionário em investimentos, a operação serviu à construção de argumentos para a mudança no modelo de gestão da estatal. Como resultado, a empresa enfrenta processo de financeirização, privatização e desnacionalização, que levaram à sua venda fatiada e à redução da sua capacidade de alavancar o crescimento do país. Segunda maior no mundo em operações em oceano (Science Advances, janeiro de 2021), a Petrobras é estratégica para o Brasil.

Por conta desse cenário de devastação causado pela Lava Jato, R$ 172,2 bilhões deixaram de ser investidos na economia brasileira —o equivalente a 40 vezes os R$ 4,3 bilhões que o Ministério Público Federal afirma ter recuperado aos cofres públicos por meio da operação.

Sete anos depois de deflagrada, não há mais presos da Lava Jato no sistema penitenciário do Paraná. A maioria foi beneficiada por acordos de delação premiada ou cumpre medida alternativa, como uso de tornozeleira eletrônica. São donos de CPFs que seguem ricos e usufruindo do conforto de suas mansões, enquanto 4,4 milhões de brasileiros perderam seus empregos na esteira das ações pirotécnicas da Lava Jato.

Esse número de postos fechados é um dos principais dados revelados pelo estudo “Lava Jato e Implicações Econômicas Intersetoriais", elaborado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) para a CUT. O documento disseca o estrago causado pela operação ao mercado de trabalho e à economia.

Mostra também como e porque a Lava Jato retirou da economia R$ 85 bilhões em salários e que R$ 47,4 bilhões deixaram de entrar nos cofres públicos em impostos, dos quais R$ 20,3 bilhões em contribuições sobre a folha salarial, que financia a Previdência Social e compõe o FGTS. Já o PIB (Produto Interno Bruto) acumulou resultado negativo de 4,99% durante o período estudado pelo Dieese. Caso esse montante tivesse sido investido, teria havido um acréscimo positivo de 3,6%

Em meio a mentiras e fake news palacianas, a CUT buscou a verdade dos números. Pesquisou e cruzou informações e dados oficiais de 67 setores da economia para apurar o real tamanho do estrago que a Lava Jato causou ao país. Durante um ano de trabalho, calculou o alto preço ao Brasil de uma operação que interditou projeto de desenvolvimento econômico e social que priorizava os mais pobres e reduzia as desigualdades históricas e abriu o caminho para um governo negacionista e autoritário assumir o poder.

A CUT apoia a investigação de casos de corrupção e a punição de responsáveis, mas condena os métodos erráticos e ilegais da Lava Jato, que foram potencializados pela utilização indevida de holofotes da mídia.

Nosso objetivo, com o estudo, é trazer esse debate ao espaço público, à luz de dados comprovados, e garantir que o país avance em proposições nos Poderes Legislativo e Judiciário para garantir que os estragos causados pela Lava Jato nunca mais se repitam.

O estudo CUT-Dieese será levado ao Congresso Nacional e ao STF (Supremo Tribunal Federal) e servirá à pressão pela criação de regramento jurídico cujos acordos de leniência separem as responsabilidades pessoal e das empresas e garantam punição à pessoa que cometeu o crime, sem atingir a atividade empresarial e, consequentemente, os empregos e a economia.

Sérgio Nobre é metalúrgico e presidente nacional da CUT

FTMRS