MST: 25 ANOS DE TERIMOSIA

Miguel Stédile

Em janeiro de 1984, havia uma processo de reascenso do movimento de massas no Brasil. A classe trabalhadora se reorganizando, acumulando forças orgânicas. Os partidos clandestinos agora já estavam na rua, como o PCB, PcdoB, etc. Tínhamos conquistado uma anistia parcial, mas a maioria dos exilados tinham voltado.

Já havia se formado o PT e a CUT e a CONCLAT. Amplos setores das igrejas cristãs ampliavam seu trabalho de formiguinha, de ir formando consciência e núcleos de base em defesa dos pobres, inspirados pela teologia da libertação. Havia um entusiasmo em todo lugar, porque a ditadura estava sendo derrotada, e a classe trabalhadora brasileira está na ofensiva. Lutando e se organizando.

Os camponeses no meio rural viviam o mesmo clima e a mesma ofensiva. Entre 1979 e 1984 se realizaram dezenas de ocupações de terra em todo o país. Os posseiros, os sem terra, os assalariados rurais, perderam o medo. E foram à luta. Não queriam mais migrar para a cidade como bois marcham para o matadouro (na expressão de nosso saudoso poeta uruguaio Zitarroza).

Fruto de tudo isso nos reunimos em Cascavel, em janeiro de 1984, estimulados pelo trabalho pastoral da CPT, lideranças de lutas pela terra de dezesseis estados brasileiros. E lá, depois de 5 dias de debates, discussões, reflexões coletivas, fundamos o MST. Movimento dos trabalhadores rurais sem terra.

Nossos objetivos eram claros. Organizar um movimento de massas a nível nacional, que pudesse conscientizar os camponeses para lutarem por terra, por reforma agrária (significando mudanças mais amplas na agricultura) e por uma sociedade mais justa e igualitária. Queríamos enfim combater a pobreza e a desigualdade social. E a causa principal dessa situação no campo, era a concentração da propriedade da terra, apelidada de latifúndio.

Não tínhamos a menor idéia se isso era possível. E nem quanto tempo levaríamos na busca de nossos objetivos.

Passaram-se 25 anos. Muito tempo. Foram anos de muitas mobilizações, muitas lutas, e de uma teimosia constante, de sempre lutarmos e nos mobilizarmos contra o latifúndio.

Pagamos caro por essa teimosia. Durante o governo Collor, fomos duramente reprimidos, com a instalação inclusive de um departamento especializado em sem terra na Policia Federal. Depois com a vitória do neoliberalismo do governo FHC, foi o sinal verde para os latifundiários e suas policias estaduais atacarem o movimento. E tivemos em pouco tempo dois massacres: Corumbiara e Carajás. Ao longo desses anos, centenas de trabalhadores rurais pagaram com sua própria vida, o sonho da terra livre.

Mas seguimos a luta.

Brecamos o neoliberalismo elegendo o governo Lula. Tínhamos esperança de que a vitória eleitoral pudesse desencadear um novo reascenso do movimento de massas, e com isso a reforma agrária tivesse mais força de ser implementada. Não houve reforma agrária durante o governo Lula. Ao contrário, as forças do capital internacional e financeiro, através de suas empresas transnacionais ampliaram seu controle sobre a agricultura brasileira. Hoje a maior parte de nossas riquezas, produção e distribuição de mercadorias agrícolas está sob controle das empresas transnacionais. Elas se aliaram com os fazendeiros capitalistas e produziram o modelo de exploração do agro-negócio. Muitos de seus porta-vozes se apressaram a prenunciar nas colunas de jornalões burgueses que o MST se acabaria. Lêdo engano.

A Hegemonia do capital financeiro e das transnacionais sobre a agricultura, não conseguiu, felizmente acabar com o MST. Por um único motivo. O agro-negócio não representa solução para os problemas dos milhões de pobres que vivem no meio rural. E o MST é a expressão da vontade de libertação desses pobres.

A luta pela reforma agrária que antes se baseava apenas na ocupação de terras do latifúndio, agora ficou mais complexa. Temos que lutar contra o capital. Contra a dominação das empresas transnacionais. E a reforma agrária, deixou de ser aquela medida clássica: desapropriar grandes latifúndios e distribuir em lotes para os pobres camponeses. Agora, as mudanças no campo, para combater a pobreza, a desigualdade e a concentração de riquezas, depende de mudança não só da propriedade da terra, mas também do modelo de produção.

E se agora, os inimigos são também as empresas internacionalizadas, que dominam os mercados mundiais. Significa também que os camponeses dependerão cada vez mais das alianças com os trabalhadores da cidade para poder avançar nas suas conquistas.

Felizmente, o MST adquiriu experiência nesses 25 anos. Sabedoria necessária para desenvolver novos métodos, novas formas de luta de massa, que possam resolver os problemas do povo.


Miguel Stédile é membro da Coordenação Estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Rio Grande do Sul, e coordenador nacional do setor de Comunicação do Movimento.

FTMRS