Fora Bolsonaro: os cenários para a crise que se aprofunda

Rodrigo Vianna

Os sinais já vinham desde a virada do ano. Mas se agudizaram com o caos em Manaus e a incapacidade do governo federal de providenciar as vacinas... E os sinais vêm tanto do andar de baixo, quanto do andar de cima.

A Globo, via Merval Pereira, porta-voz da família Marinho, já apoiara o afastamento do presidente. O Estadão, jornal que dialoga com parte da classe média paulistana e é gerido por um comitê de bancos, defendeu agora em editorial o afastamento imediato de Bolsonaro. A Folha abriu espaço para uma (boa) reportagem mostrando com gráficos e tabelas todos os crimes e atos inconstitucionais de Bolsonaro, que ensejam o pedido de impeachment.

A elite econômica está atônita com a incapacidade do governo de estabelecer um horizonte razoável no combate à pandemia. Sem a vacina, comérco/serviços/turismo não voltam ao normal. Já os bancos não reclamam de Bolsonaro/Guedes, mas ligaram também o sinal de alerta porque o castelo de cartas pode se desfazer.

As cúpulas dos partidos tradicionais de direita (PSDB, DEM e MDB) debatem o impeachment. E mesmo parlamentares do Centrão, informa o site Congresso em Foco, conversam sobre o tema. Até a Record e a Igreja Universal abandonaram a defesa incondicional do projeto de destruição sanitária do bolsonarismo.

Isso tudo não significa que o impeachment é fato consumado. Não. O bolsonarismo tem capacidade de reagir e de negociar situações intermediárias, o que já fez em meados de 2020, ao se livrar de estridentes defensores do fechamento do STF (Sara Winter, Weintraub et caterva), colocando-se sob as rédeas do Centrão. Se Artur Lira virar presidente da Câmara - o que hoje parece provável - esse cenário de rendição ao Centrão estará mais forte.

Mas a crise social e a incompetência absoluta movem os donos do dinheiro para a derrubada do capitão cloroquina e sua trupe mal ajambrada - que, além de tudo, ficaram sem o tutor Donald Trump. A burguesia quer alguma racionalidade. Já ensaiou a tática de colocar o capitão na coleira em 2020. Mas assim que ele se solta, corre pra morder os donos. Um perigo...

CENÁRIOS PARA A DIREITA

O cálculo da elite brasileira hoje é: o que custa mais? suportar o caos de Bolsonaro por dois anos, ou iniciar um impeachment que vai levar todo o ano de 2021? Ora, se o ano já está mesmo perdido para a Covid e o caos sanitário, melhor é adiantar o serviço e derrubar logo o presidente.

A queda de Bolsonaro arruma o jogo para a direita. Entra Mourão, num governo de transição. O governo segue a ser dos militares. Mourão faz as reformas que Temer e Bolsonaro não finalizaram (Tributária, Administrativa), acalma o mercado, enterra as loucuras terraplanistas e toca o terror no andar de baixo. Em suma: um governo da "ordem", para segurar o caos social.

No papel, é o mais racional.

Mas quem disse que Bolsonaro cai? Ah, o capitão vai dar muito trabalho...

Ele não tem Mídia/Empresários tradicionais/Partidos liberais; mas segura no gogó, no zap e nos cargos a turba de evangélicos/militares/milicianos. Até quando?

Ninguém se anima a derrubar governo com quase 40% de aprovação. Mas Bolsonaro desceu a ladeira esta semana. Pesquisa Ideia/Exame mostra o governo com 27% de ótimo/bom (em queda livre) e 45% de ruim/péssimo (aumento de 11 pontos, em apenas sete dias).

O apoio a Bolsonaro no Norte/Nordeste despencou: por causa da falta de oxigênio em Manaus, por causa do fim do auxílio emergencial e pela lambança generalizada nas vacinas.

A direita tradicional, por isso, virou a chavinha e iniciou o processo de impeachment. Isso significa que o consórcio golpista de 2016, e que se juntou de novo em 2018 pra barrar a vitória de Lula/Haddad, se desfez momentaneamente.

O que a esquerda deve fazer?

A ESQUERDA E O IMPEACHMENT

O senador Jaques Wagner, um petista moderado, disse que é preciso "ir com calma" com essa converesa de impeachment. Ele provavelmente acha que a derrubada do capitão arruma o jogo pra direita. É fato.

Mas então vamos assistir de fora? Não creio. A base de esquerda quer a queda do capitão. O que a esquerda deveria pensar é numa tática e numa palavra de ordem que delimitem diferenças em relação à direita "limpinha" que agora quer derrubar Bolsonaro (Huck, Moro, Mandetta, Globo - toda essa turma que nós sabemos bem o que fez no verão passado).

Uma bandeira interessante, parece-me, seria: "Fora Bolsonaro! Leve Guedes e os milicos junto"

A direita quer o impeachment para aprofundar o programa neoliberal. A esquerda quer o impeachment para enterrar o programa neoliberal e enfraquecer o projeto autoritário dos militares.

QUEM GANHA O JOGO?

A direita antibolsonaro tem a máquina midiática, mas não tem povo pra colocar na rua. A esquerda tem povo; não agora, com a pandemia, mas logo à frente...

Bolsonaro pode cair, fruto do caos que implantou no país. A derrubada dele pode significar mais liberalismo, ou pode significar uma virada de página, rumo a um projeto que Argentina e Bolívia (e, ao que parece, em breve também o Equador) conseguiram recuperar.

Até meados de 2021, podemos ter seis cenários, que listarei abaixo pela ordem do que considero mais provável, dada a atual correlação de forças na sociedade:

1 - Bolsonaro cai, mas o neoliberalismo fica com Mourão;

2 - Bolsonaro e o neoliberalismo saem, mas os militares ficam para arbitrar a retomada pós pandemia;

3 - Bolsonaro fica, domado pelo Centrão e os militares, e chega a 2022 com alguma força para embaralhar o jogo, apesar do caos sanitário e social;

4 - Bolsonaro fica, enfraquecido, e arrasta para o buraco militares e neoliberais (além de todo o país); a esquerda em tese se fortalece para 2022, se houver eleição;

5 - Bolsonaro cai depois de uma longa batalha, arrasta com ele militares e o programa neoliberal; abre-se uma crise institucional que termina com nova Constituinte;

6 - Bolsonaro fica, endurece o regime, e consolida um longo período autoritário.

Só os cenários 4 e 5 interessam à esquerda. Os moderados do PT jogam com a opção 4. A opção 5 depende de fatores imponderáveis: povo na rua, novos atores sociais, emergência de protestos do mesmo tipo que varreram o Chile.

Quem olha para o país deve avaliar com realismo a correlação de forças, mas sabendo que movimentos sociais/partidos/lideranças agem para mudar o jogo de forças, ou para aproveitar mudanças rápidas geradas pela crise capitalista.

As pedras se mexeram nesse começo de 2021. A hora de definir a partida começa agora.


Rodrigo Vianna é jornalista do Brasil 247

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