Com pandemia descontrolada, empresas voltam ao trabalho presencial só em 2021


Para médicos, medida é cautelosa e necessária para evitar mais casos e mortes por Covid-19, mas para sindicalista o risco de desregulamentação do trabalho é real e sindicatos precisam vigiar e agir

Com o Brasil entre os 40 países que mais registram recordes diários de novos casos confirmados e mortes por Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, a falta de uma ação nacional coordenada para conter a expansão do vírus e o negacionismo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) que faz propaganda de cloroquina, remédio sem eficácia comprovada, e descumpre as medidas de proteção, poucos acreditam que a pandemia seja controlada ainda este ano no país.

A análise deste cenário está fazendo várias companhias nacionais e internacionais adiar para meados de 2021 a volta do trabalho presencial. Empresas como Google, Pic Pay, Quinto Andar, entre outras, já avisaram que vão manter o trabalho home office pelo menos até dezembro deste ano.

Outras instituições, como o BV, antigo Banco Votorantim, já anunciou que a partir de outubro os trabalhadores e as trabalhadoras voltarão para o trabalho presencial, mas com o sistema hibrido, com três vezes por semana home office e dois no escritório.

O Quinto Andar, aplicativo de vendas de imóveis, disse que até o final do ano a startup deixará seus funcionários trabalhando em casa, mas abrirá a opção de home office definitivo para quem preferir após a pandemia.

O Google, em nome do CEO da empresa, Sundar Pichai, enviou um e-mail para todos os funcionários para oferecer a opção de trabalho de casa até 30 de junho de 2021 para funções que não precisam ser realizadas no escritório. Segundo a assessoria de imprensa, isso vale para os mais de 1000 funcionários do Google no Brasil.

A Pic Pay, empresa de tecnologia brasileira, também anunciou o retorno dos seus 1.400 funcionários só para 2021 e justificou a medida como segurança.

“Eles priorizaram a segurança dos funcionários e equiparam a gente para trabalhar de casa, mandaram os computadores, adaptadores, mesas, segunda tela e toda nossa estrutura para trabalharmos de casa. Até a internet estão pagando”, contou uma funcionária que não quis se identificar por não ter autorização para dar entrevistas.

Para o médico infectologista no Rio Grande do Norte, Dr. Alexandre Motta, as empresas estão fazendo a leitura adequada porque o coronavírus no país está longe de ser controlado. Segundo ele, o platô, quando a curva do gráfico começa a envergar, está com mil mortes diárias em média, o que significa que o número de casos e óbitos ainda tem se acentuado.

Alexandre diz que falta ao governo vontade política para controlar a doença e prova disso é a longa interinidade do general Eduardo Pazuello no comando do Ministério da Saúde, órgão gastou menos de um terço dos R$ 39,3 bilhões liberados para conter a doença.

“As empresas estão observando que o país não tem uma política nacional de controle, que Bolsonaro faz propaganda de um remédio que já foi comprovado que é ineficaz para a doença, não temos ministro da Saúde e cada estado tem buscado resolver suas pendências de forma isolada”, diz o infectologista, que complementa: “Além disso, o Estado brasileiro não investe, testa mal, testa pouco e ainda distribui os insumos de forma irregular”.

Bom para o trabalhador e bom para a economia

De acordo com o médico, essas empresas que estão adiando o retorno ao trabalho presencial têm um capital humano altamente qualificado, fundamental para a empresa continuar lucrando e tem de cuidar muito bem dele, diz se referindo aos trabalhadores.

“O cara que trabalha no Google é mais técnico e tem um valor diferenciado e se a empresa perdê-lo [contaminado pelo coronavírus] o risco será maior do que deixar ele em casa”, explica.

A médica infectologista, Juliana Salles, que também é diretora da CUT São Paulo e do Sindicato dos Médicos, ressaltou outro ponto importante. De acordo com ela, a preocupação destas empresas também pode ser a de ter que pagar os 14 dias de afastamento pela doença e ficar sem o trabalhador e sem a economia em dia.

“As empresas também estão preocupadas com o prejuízo que podem ter caso um destes trabalhadores sejam contaminados, porque a empresa terá que ficar sem o trabalhador por 14 dias e ainda pagar por estes dias com ele em casa de forma improdutiva”, afirma.

Trabalho precário e os sindicatos

Juliana alerta que, ao mesmo tempo em que as empresas demonstram preocupação com a pandemia e a necessidade real de ser reorganizar e reduzir as chances de contágio, implementam uma medida que já vinha sido estudada por elas e que vai rumo a precarização do trabalho.

“Muitas empresas já estavam estudando a possibilidade do trabalho remoto e a pandemia acelerou a efetivação desta política nas empresas. O problema é que junto com tudo isso ficou claro também a precarização do trabalho a distância”.

A médica reforça que é importante os sindicatos ficarem atentos e vigilantes para que estas mudanças de rotinas e das políticas das empresas no “novo” normal não venham acompanhadas de precarização do trabalho.

“É preciso estarmos atentos, porque muitas empresas se apropriarão deste discurso da pandemia para tirar mais direitos e aumentar a exploração da classe trabalhadora. E os sindicatos precisam estar próximos das categorias para continuar protegendo os direitos e, no que se refere a expansão do trabalho remoto, é preciso que a empresa pague por toda estrutura móvel do trabalhador”, afirma Juliana.

Números sobre empresas e o home office

Segundo dados revelados na Pesquisa de Gestão de Pessoas na Crise de Covid-19, conduzida pela Fundação Instituto de Administração (FIA), com 139 empresas brasileiras de grande, médio e pequeno porte, 94% das firmas aprovam home office, mas 70% vão encerrar ou manter em parte.

Uma pesquisa paralela conduzida pelo professor André Fischer, também da FIA, apontou que 70% das pessoas gostariam de permanecer em regime de home office, integral ou parcial.

A relutância em manter esse novo formato pode ser explicada pelos custos inesperados e riscos trabalhistas gerados com a implementação brusca do home office imposta pelo Covid-19, aponta o estudo.

O professor Filipe Talamoni Fonoff, um dos responsáveis pelo levantamento da FIA, disse para uma matéria no UOL, que até agora, apenas cerca de 10% das empresas decidiram custear a internet dos funcionários porque isso gera um risco jurídico: “no limite, os funcionários poderiam cobrar o aluguel das casas onde moram das empresas para quem trabalham”, afirma.

Fonte: CUT Nacional