PROSPERAMOS UNIDOS; SEPARADOS CAÍMOS


A crise já força homens e governos a revelar do que são feitos. Em tempos de prosperidade, boa vontade e fraternidade. Na escassez, sobrevivência em primeiro lugar. 

Em várias economias representativas da globalização, uma série de ações protecionistas e protestos contra imigrantes emergiram na semana passada. É mais um sintoma da maior crise de nossa geração. Um fato que tende acentuar problemas futuros em vez de amenizá-los.

Protesto no Reino Unido contra decisão da empresa Total de contratar estrangeiros
Para 2009, o FMI estima uma retração de quase 3% no volume de comércio internacional por conta da crise. Se ficar só nisso, vai sair barato, dada a nova onda protecionista.

O slogan "Buy America" (compre produtos americanos) está novamente em voga nos EUA, e o próprio governo de Barack Obama introduziu no novo pacote de estímulo econômico de US$ 819 bilhões a exigência de que o aço usado nas futuras obras públicas no país seja comprado de siderúrgicas norte-americanas.

O consumo nos EUA caiu a um nível recorde nos últimos seis meses. Se o "Buy America" pegar em meio a essa retração, a China e demais países asiáticos, com o grosso de suas exportações voltadas para os EUA, vão sofrer barbaramente.

Um milhão saíram às ruas de Paris para pedir, entre outras coisas, ajuda a empresas do país
Já há notícias de milhares de ex-operários chineses fazendo o caminho de volta da cidade para o campo por conta de demissões em massa em empresas exportadoras. Não vai demorar para o governo chinês, detentor de bilhões de dólares em títulos do Tesouro norte-americano, dar o seu passo.

Na Europa e sua periferia, já aparecem os primeiros sinais evidentes de rachadura na União Europeia e, mais grave, de sérios problemas para alguns países no pacto em torno da moeda única, o euro.

No Reino Unido, centenas de trabalhadores foram às ruas protestar contra a decisão da refinaria francesa Total de contratar empregados italianos e portugueses para um projeto de US$ 280 milhões. "British jobs for british workers", (na Inglaterra, trabalho para trabalhadores britânicos) diziam os cartazes dos que protestavam.

Na Espanha, onde o desemprego bateu em 14%, o maior da União Europeia, o governo está oferecendo US$ 14.000 (R$ 32.200) aos imigrantes que aceitarem voltar a seus países. No principal aeroporto de Madri, Barajas, voltaram os repatriamentos de centenas de latinos (inclusive brasileiros) assim que pisam no país.

Na França, mais de 1 milhão de trabalhadores foram as ruas pedir mais ajuda do Estado a empresas francesas. Na Grécia, fazendeiros fizeram um mega bloqueio de estradas durante dez dias exigindo a aprovação de um pacote de ajuda que desrespeita regras da União Europeia.

É só o começo.

Policiais e fazendeiros entram em confronto em Atenas após protestos por ajuda ao setor
Nos subterrâneos dessa crise, uma bomba de imensas proporções vai sendo armada no coração da União Europeia. Países menos avançados há dez anos como Portugal, Espanha, Irlanda, Grécia e vários outros no conjunto de 16 nações que têm hoje o euro como moeda só cresceram rapidamente nos últimos anos por conta de um forte endividamento. E a conta dessas dívidas chegou.

Agora, enquanto países como Alemanha, França e os escandinavos erguem pacotes bilionários de estímulo a suas economias e protegem seu sistema financeiro com dinheiro estatal, os "ex-pobres" têm não só de honrar dívidas como seus Estados e empresas são obrigados a captar dinheiro no mercado a custos punitivos na comparação com os demais.

Antes do euro, esses países em dificuldades tinham a opção de desvalorizar suas moedas e, ao tornar seus produtos mais baratos, dar forte impulso ao setor exportador. Com o euro, essa opção não existe mais, assim como não há a possibilidade de aumentarem indefinidamente déficits e endividamentos, dadas as regras de convergência da União Europeia.

Daqui em diante, todas essas assimetrias só tendem a piorar. Na crise, prevalece o de sempre: salve-se quem puder, pelos quatro cantos do mundo.


Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006.Escreve às segundas-feiras.

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